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26 setembro 2019

Alguém Precisa Ver Uns Filmes de Kurosawa


Mais uma madrugada, mais um filme. Desta vez foi o 47 Ronin, em parte por causa do Keanu Reeves, em parte por ser uma adaptação do Chuushingura, uma história de vingança, baseada em acontecimentos históricos no Japão do séc. XVIII.

A história é boa, mesmo tendo a versão americana introduzido alguns elementos de romance e sobrenatural um bocado desnecessários, mas assim não teríamos Keanu Reeves. Espantosamente, o elenco principal é todo constituído por actores japoneses, alguns conhecidos no Ocidente, como a Rinko Kikuchi e o Tadanobu Asano (baba~). Onde o filme se espalha ao comprido é na direcção de fotografia e no design de produção. Mas vamos por partes.

DIRECÇÃO DE FOTOGRAFIA
A fotografia neste filme é uma espécie de versão foleira, em tons de sépia, da fotografia de filmes de fantasia, estilo Lord of the Rings. Também inclui muita poeira, nevoeiro e cenas ao lusco-fusco, o clichè completo. Bom para disfarçar coisas que correram mal.

DESIGN DE PRODUÇÃO
Aqui começa a salganhada. A arquitectura dos espaços é mais japonesa, mas não conseguiram resistir a enfiar espaços cenários que podiam ser uma reciclagem do The Last Emperor e afins. As cenas na floresta pareciam directamente tiradas de Mononoke Hime e as sequências de luta lembram as de Crouching Tiger, Hidden Dragon e seus parentes. Deram-lhe coerência através da patine sépia e uma realização e operação de câmara de filme de acção.

MAQUILHAGEM E CABELOS
Nem nos homens, nem nas mulheres acertaram nos cabelos, por falta de documentação não foi! Os cabelos das mulheres são uma fantasia achinesada, onde de vez em quando surge alguma inspiração vaga dos nihongami (cabelos à japonesa) clássicos.
Nos homens, nenhum tem o corte de cabelo obrigatório dos samurais, que basicamente tem duas versões: a do cabelo rapado em cima, o chonmage, ou a versão mais casual, que em grande parte desta narrativa faz sentido, onde o topo do cabelo não é rapado e o cabelo não leva os óleos para o domar e tornar brilhante, mas mantém o carrapito. A peruca de Tadanobu Asano é má! Quase nem o reconhecia! Em muitos filmes de samurais japoneses mais recentes, optou-se por esta segunda versão para os galãs, pois mesmo aos olhos japoneses de hoje, é mais apelativo. Não gosto de ver a barba no Keanu Reeves neste contexto, já que era raro na classe dos samurais.
A maquilhagem nos homens é genérica, mas são raros os homens com as patilhas mais longas, como se usava na época.
A das mulheres é terrível! Demasiado ocidental e moderna, cheia de olhos esfumados e batons "nude", uma aberração! Não estava à espera de ver mulheres de lábios azuis ou verdes, ou de dentes pretos, como era moda, nem realmente maquilhadas como Gueixas, mas uma maquilhagem de Gueixa ou mesmo de Maiko seria mais aceitável, e mais bonita, que a usada no filme. Para além disso, a maquilhagem usada envelhece demais as actrizes, que perdem aquele ar fofinho que as japonesas costumam ter, mesmo as mulheres mais maduras, por causa da maquilhagem de boneca.

GUARDA ROUPA
Ui! É tão mau quem nem sequer irrita! Nos homens mantiveram algumas peças com o feitio correcto, Oishi usa umas hakama vermelhas, cor usada mais por mulheres, mas com o feitio correcto, que foram uma opção interessante no meio da amálgama ocidentalizada - muitas calças. Apesar de ser abaixo do estatuto dos samurais, que usavam tecidos mais nobres e cores mais variadas, tinham dinheiro para tal, gostei de surgirem muitas peças em aizome no meio dos castanhos-lama, que fazem o guarda roupa masculino. Não percebi o kataginu achinesado, ou tailandesado, de Kira, tinha um ar super piroso, até brilhos tinha! Deve ter sido reciclado dos Power Rangers, hahaha! Podem ver aqui como eles deveriam estar vestidos nas cenas de batalha.
Nas (duas) mulheres ainda é pior. Começo pelos vestidos, que não se pode chamar àquilo kimono, que vão de uns robes compridos a umas fatiotas de inspiração oriental, com direito a laços-almofadinha, que parecem saídas de um desfile de moda qualquer, só que com todo o catálogo de tecidos pirosos para levar a um casamento nos anos 80! Até tafetá changeant bordado à máquina foi usado :'D Tenho pena que num filme onde as mulheres foram enfiadas quase à força na história, não tenham aproveitado a oportunidade de introduzir pelo menos uma delas como onna bugeisha, já que eram completamente badass e tinham um visual fabuloso.

Estranhamente, na última cena, a cena do seppuku, o filme redime-se de toda a lama e lodo, e apresenta-nos uma cena que podia ter sido tirada de Gohatto, de Nagisa Oshima (onde Tadanobu Asano também entra - baba~). Tudo muito branco, com uma estética bem mais japonesa e onde os homens estão com o traje correcto (até kataginus verdadeiros) e as mulheres de kimono, se bem que mais parecem kimonos modernos da cerimónia do chá, em cores pastel e com padrões discretos. Mas como são kimonos, eu perdoo a falta de noção do estilo.

Enfim, não foi totalmente tempo perdido, afinal a história não é má e temos Keanu Reeves e Tadanobu Asano, mas para ver um belíssimo flme com samurais jovens e giros que se farta, mais vale rever o acima mencionado Gohatto, onde ainda vem de brinde Ryuuhei Matsuda (baba~).

47 Ronin



18 setembro 2019

Relógios de Lua

 
Há pouco tempo fiz um repto num grupo do facebook acerca de uma série juvenil que vi nos anos 90 e cujo título já não me lembrava. O resultado foi curioso, encontrei a série que procurava, Moondial, mas também descobri que existe uma outra série com uma história quase igual, mas onde o protagonista é um rapaz em vez de uma rapariga e "do outro lado" está uma rapariga em vez de um rapaz. A outra série chama-se Tom's Midnight Garden. Vi ambas no YouTube.


Depois de uma pequena pesquisa na Wikipedia, descobri que ambas as séries são adaptadas de dois livros diferentes, de autoras diferentes. Moondial foi escrito por Helen Cresswell, em 1987 (a série é de 1988) e Tom's Midnight Garden foi escrito por Pilippa Pearce, em 1958. Acho que já estabelecemos quem veio primeiro. Tom's Midnight Garden tem várias adaptações, a que vi foi a de 1989, portanto contemporânea de Moondial, e ambas foram produzidas pela BBC, o que torna tudo ainda mais curioso.

Ambas as histórias falam de um adolescente, ou pré-adolescente, que vai viver temporariamente para casa de parentes, devido a problemas familiares. Minty, de Moondial, devido a mudanças na vida da mãe, que depois tem um acidente de carro e vai para o hospital; Tom porque o irmão mais novo está doente com varicela ou uma doença parecida. Tanto a mãe de Minty, como o irmão de Tom, servem como interlocutores para os relatos das histórias "do outro lado". Minty vai viver ao lado de uma mansão misteriosa, meio museu, Tom muda-se para a própria mansão, mas sem o previsível jardim ao seu redor. À noite, ambos são atraídos para relógios, que os transportam para outras épocas. Minty fá-lo através de um relógio de Sol/Lua, no jardim da mansão, Tom de um relógio de pé, depois do bater da meia-noite. Em ambos os casos o tempo corre de modo diferente no outro tempo e ambos interagem com crianças da mesma idade e são confrontados com as grandes disparidades sociais e o modo como os miúdos do passado não têm uma liberdade que Minty e Tom reclamavam não ter no seu próprio tempo.
Aqui as histórias divergem. Minty tem a missão de ajudar dois "fantasmas", Tom, um ajudante de cozinha no século 19 e Sarah, uma rapariga do século 18 e tudo se passa num período relativamente curto nas três épocas. O Tom do jardim, tem por missão ajudar uma rapariga chamada Hatty, que de início tem a idade dele, mas como Tom regressa sempre em tempos diferentes, ela vai crescendo. Outra grande diferença é que em Moondial existe um vilão mais ou menos sobrenatural.

Fiquei curiosa até que ponto este "plágio" é conhecido ou foi resolvido, mas como ambas as séries são relativamente obscuras, não encontrei nenhuma referência a isso.

No geral gostei das duas séries, o tom é muito semelhante, com a diferença que Midnight destaca mais o lado sobrenatural, a começar no genérico, e a acção moderna é contemporânea, enquanto que Tom se passa nos anos 50 ou 60. Apesar de tudo, Moondial enche-me mais as medidas e acho-a um bocadinho mais bem produzida, com um esforço adicional nos efeitos especiais. Adorei rever Moondial, era tão interessante quanto me lembrava, apesar de ter envelhecido um pouco, ainda se vê muito bem. As duas são histórias de crescimento, provocadas por um incidente insólito, de onde os protagonistas saem mais maduros e menos revoltados.

Uma das razões porque adoro literatura de ficção científica ou fantástico, é justamente essa capacidade de "esconder" lições de vida, crítica social ou questões filosóficas, por trás da máscara do diferente. Tantas vezes os romances realistas ou naturalistas, não o fazem tão bem.

Tom's Midnight Garden
Moondial
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