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05 novembro 2021

Nas Dunas

as duas Reverend Mothers em Dune:
Siân Philips e Charlotte Rampling

Dentro dos filmes adiados por causa da pandemia, Dune era um dos mais aguardados por toda a gente. Para além de ter lido o livro, é verdade que no século passado, sou grande fã do filme do Lynch, de 1984, mesmo com todos os defeitos que lhe são associados. Para não me desiludir muito, fui ver esta nova adaptação com as expectativas muito baixas, mas mesmo assim fiquei um bocadinho desiludida. Não sou purista quanto ao livro, mas sempre achei o final do filme do Lynch apressado. Li o livro pouco depois de ver o filme pela primeira vez, e, em vez de achar que a adaptação falhou, achei que o livro acrescentou informação pertinente mas difícil de incluir numa adaptação cinematográfica, correndo um enorme risco de tornar o filme chatérrimo. O pequeno resumo da situação socio-política, pela voz da Princesa Irulan, para mim, para um filme, foi um estratagema diferente e que não me chateia em absoluto, pois visualmente é intrigante. Naturalmente irei comparar ambos os filmes, é-me impossível não o fazer, exactamente por o novo Dune ser o filme que é.

Vamos por partes.

Vou já despachar o que realmente me irrita: porque mudaram a fonética de dois nomes vitais no universo de Dune? HarkOnnen passou a Hark'nen e Bene Gesserit passou a Bene Jesserit no filme de Villeneuve. Harkonnen, como parece um nome de etimologia nórdica, soa esquisito sem o ênfase no O. Soa tão estranho na nova versão! Já a mudança em Bene Gesserit é mais estranha. Em geral, em inglês, ao contrario do português, o G lê-se G, e muito raramente J, por isso não percebo o "Jesserit". Qual seria a intenção original de Frank Herbert? No IMDB dizem que Villeneuve o fez à francesa, mas que Herbert determinou a pronúncia à inglesa como correcta. É uma pergunta que este filme nos deixa.

A estética.

Uma das coisas de que sou fã no filme do Lynch é a estética muito barroca, que veio quebrar o estilo minimalista ou space age dos filmes de ficção científica até à data. Achei bem mais plausível que houvesse estilos bem distintos tanto no guarda-roupa, como nos cenários de cada planeta, povo ou grupo religioso. Também adoro o traje das Bene Gesserit, com um belo piscar de olho a vários elementos da história do traje e elas têm um ar super sinistro e assustador, com o cabelo e as sobrancelhas rapados. A predominância do laranja em Arrakis, também reforça a presença da spice e o calor insuportável do planeta. Só tenho pena dos efeitos ópticos ficarem aquém até do que se fazia na altura, tornando todas as cenas no espaço um bocado de fazer dó e que quebram a magia do que está tecnicamente muito bom no resto do filme.

No novo Dune, é tudo muito lavado a beige ou cinzento, pendendo os planetas húmidos para os cinzentos e os planetas quentes e secos para o beige. Os tecidos parece que foram todos comprados na mesma tecelagem, ou nas duas tecelagens do universo, uma focada em fibras naturais, lãs e linhos, e outra nas sintéticas, vinis e borrachas. As cores parece que foram eliminadas, senti-me daltónica a ver o filme, não há contraste. Apenas gostei dos fatos de astronauta dos enviados do Império, com os capacetes cheios de fumo laranja, mas não têm o mesmo impacto insólito que têm os do Lynch, vestidos de saco do lixo e com apêndices por todo o lado. Não fiquei minimamente fascinada com os stillsuits, mas gostei de se ver mais vezes a protecção da cabeça, uma das falhas mais imperdoáveis no filme do Lynch. Pelo contrário, as cenas no espaço, os portais, são visualmente muito interessantes, apesar de eu ainda preferir as molduras-portais do Lynch, só é pena o efeito especial estar mal feito. Neste, gostei de algumas naves espaciais, mas são pouco insólitas, excepto os Tópteros, esses são lindos! Acho o filme um grande empastelado visual, onde não se distinguem as várias facções, povos, tribos, uns dos outros.

Até a música parece empastelada. Várias vezes, nos poucos e pequenos crescendos da banda sonora, estava à espera do Prophecy Theme do filme de 1984 surgir, mas depois regressava aos mesmos acordes. Não existe um leitmotiv, uma marcha, nada que distinga as peças musicais umas das outras, a banda sonora é um contínuo com poucas variantes e por outro lado também não é minimalista.

Os actores.

Não tenho grandes criticas a fazer quanto à escolha dos actores em nenhum dos dois filmes, prefiro alguns em vez de outros, mas mais por razões externas aos filmes, por preferências pessoais. Apesar de um bom desempenho, achei a nova Lady Jessica com um ar muito novo (tem mais 12 anos que Timothée Chalamet) e que chorava imenso no filme. Gosto mais da altivez desafiante de Francesca Annis.

A narrativa e realização. 

Não consegui desligar-me do filme do Lynch enquanto via o filme do Villeneuve. Isso, a meu ver, já coloca o filme novo em desvantagem, não se conseguiu distanciar o suficiente e ter um impacto novo na minha cabeça. Mas o não conseguir desligar-me do filme do Lynch também não foi mau, de certa forma fez-me gostar mais deste filme, pois como sabia o que se ia passar a seguir, antecipava os acontecimentos com algum entusiasmo. O velho truque do suspense de Hitchcock, aqui funcionou entre filmes. Mas senti imensa falta da montanha-russa de emoções que o filme do Lynch ainda me provoca, o entusiasmo com que vejo certas coisas a acontecer pela primeira vez, entusiasmo esse que esteve quase ausente neste filme. Achei-o emocionalmente bastante insípido e que terá havido alguma insistência em incluir pequenos eventos que no filme do Lynch ou foram eliminados ou aglutinados por uma questão de economia narrativa. É certo que para fazer uma adaptação equilibrada do livro, um só filme não chega, mas terão sido realmente importantes as cenas a mais no filme de Villeneuve? O compasso do filme ainda por cima é lento e apressa certas cenas importantes, como a do Gom Jabbar. A deste filme não me assustou nada e a do Lynch, ao fim de o ver já não sei quantas vezes, ainda me dá arrepios. Siân Philips mete MEDO! Shadout Mapes foi um bocado relegada a figurante especial e não se percebeu bem o que estava lá a fazer. Para quê mais metragem de película (eu sei, eu sei, o filme é digital) para desdobrar a cena de Paul e Jessica em Arrakis, que até pode estar assim no livro (já não me lembro), mas que bastava ter sido aglutinada como em 1984? E, por fim, se não tivesse lido o livro e visto o filme do Lynch, não ia perceber nada das politiquices daquele universo. De lá só saem duas coisas: os Fremen são explorados e oprimidos (versão de 1984: check!), os Atreides foram levados para uma armadilha em Arrakis (versão de 1984: check! e com menos exposição verbal).

Ah, já me esquecia das visões de Paul. Pontos para o Lynch, que as manteve sobretudo visuais, mas marcantes e que as repete tantas vezes ao longo da primeira parte do filme, que ficamos a sabê-las de cor antes de se concretizarem. Especiaria, Chani, o rato, a Lua, a gota de água, a mão.

E falta o cãozinho! É uma das minhas diversões preferidas no Dune de 1984, ir acompanhando o cãozinho que sobrevive o filme inteiro! Reparem da próxima vez que o virem.

Naturalmente irei ver a parte 2 deste Dune, estou curiosa para saber quem fará de Feyd e de Alia, mas não espero muito mais que um filme tecnicamente bem feito, interpretado por gente competente e já sem o eye candy do Oscar Isaac nuzinho em pêlo!

Dune (IMDB)

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