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31 dezembro 2021

Porque só devia haver um Matrix

Nesta última entrada na Matrix, alguém diz que "The Matrix is brain porn" (sic). Pois é, concordo, pena que, tendo inteiramente consciência disso, as manas Wachovski não nos tenham dado brain porn em 3 dos 4 filmes, mas se tenham entregue a devaneios com orçamento hollywoodesco. 

Atenção, eu até gosto dos devaneios das manas, mas eu tenho um gosto esquisito, talvez exceptuando o Speed Racer, mas por razões que se prendem com a falha completa das adaptações de anime ou manga a live-action pelos americanos. Mas os devaneios das manas são basicamente filmes de autor com orçamentos nível Disney, que ganhavam mais com um orçamento espartano e um produtor à maneira, que as faria concentrar-se naquelas duas palavrinhas-chave, que lhes deram o seu único e verdadeiro êxito: brain porn.

Para além das inovações tecnológicas (até hoje alguém vive com o arrependimento mortal de não ter registado a patente do bullet-time), da estilização visual e sonora completamente inovadora, o The Matrix tem uma base filosófica e de ficção científica pura e dura, que se vê em muito poucos filmes, sobretudo de género, mas também independentes. Ainda se podem ler no site original, através da Wayback Machine, os textos que foram escritos à volta das várias teorias que são expostas no The Matrix, por alturas da estreia das sequelas, e por pensadores modernos. Vão lá lê-los, se gostam de ficção científica e de brain porn. Vale a pena! Já agora que lá estão, naveguem um bocadinho no site, que é uma obra prima da infância da internet. Mesmo quem não faz questão do brain porn, ou nem sabe o que isso é, é exposto de forma muito inteligente a questões filosóficas que, acredito, passam pela cabeça de qualquer pessoa, mais cedo ou mais tarde nas suas vidas. São questões básicas, sem resposta, provavelmente nunca terão resposta. É aí que entra a ficção científica e a criatividade de quem a concebe (não importa o formato), está na concretização ou alguma hipotética resolução para essas questões que nos assolam em maior ou menor grau. O The Matrix também é um sinal do tempo em que foi criado, e aí é, como toda a ficção científica, datado. Quando digo "datado", não é envelhecido. Sempre achei, principalmente desde que comecei a ler ficção científica na adolescência, que a f-c espelha a realidade em que foi escrita, e é um exercício que gosto de fazer sempre que leio um livro novo, tentar identificar a sua época. Em geral acerto. Acerto não porque seja especialmente perspicaz, mas porque a ficção científica, o eterno menosprezado género literário, é o que sempre melhor nos mostrou a época em que foi criado e tem quase sempre por base conceitos filosóficos e humanistas. Digamos que é filosofia em formato pulp. E também é uma das grandes razões porque adoro a ficção científica em todos os seus formatos.

Então afinal porque não fazem falta os outros filmes? Primeiro porque, apesar do final em aberto, o The Matrix encerra ali todas as questões levantadas: A Alice no País das Maravilhas, o Brain in a Vat, as realidades manipuladas, a formatação das massas, o mito do escolhido, o messias, etc., etc., etc. Não eram necessárias mais explicações. Mais explicações são tomar o espectador por burro, é mansplaining, é bater no ceguinho. Mais, toda a elegância "estilosa" do primeiro, mesmo na "realidade", foi gradualmente sendo substituída pelos devaneios de mud wrestling e afins das manas. Basicamente elas complicaram o que já estava muito bem exposto, acrescentaram informação redundante. Deviam, como o George Lucas e o Spielberg, ter lido o Hero's Journey,  do "amigo" Joe Campbell e K.I.S.S., Keep It Simple, Stupid. Mas esses dois também não aprenderam bem a lição, ou já se esqueceram.

Se o Reloaded e o Revolutions não faziam falta, o Resurrections menos ainda, mas por razões um bocadinho diferentes. A redundância está nos três, mas no Resurrections o grande problema é outro: a história é muito fraca, com mais buracos que um queijo suíço e parece que quiseram fazer do Matrix um filme da Marvel, com opções estilísticas muito questionáveis. Infelizmente Lana Wachovski entrou na moda dos filmes de acção com uma narrativa quase inexistente, personagens com pouca ou nenhuma densidade e cenas de acção atrás de cenas de acção, reforçadas por aqueles efeitos sonoros mega irritantes dos graves com doppler, que compõem a banda sonora inteira de uma porcaria chamada Aquaman. Pior, estas cenas de acção à Marvel, são daquelas em que está TODA a  gente envolvida vestida da mesma cor, são pelo menos 3 ou 4 envolvidos, na maioria das vezes mais, e não se percebe patavina do que está a acontecer. Terem essas cenas ou uma descrição escrita das mesmas no ecrã, seria para mim a mesma coisa. Talvez a versão em texto até fosse melhor, pois ao menos assim deveria perceber melhor o que está a acontecer (pontos para os artistas de storyboard que, de alguma forma, terão conseguido interpretar aquela salgalhada em imagens).

Depois há a questão da estética visual. Na cena do átrio em The Matrix (sim, eu sei, baseada em Ghost in the Shell - continuo a preferir a cópia ao original), entre câmaras lentas e efeitos acrobáticos, percebe-se sempre o que se está a passar. Há um ritmo musical no modo como essa e as outras cenas de acção foram coreografadas, entre actores e câmaras, que é maravilhoso de ver e rever. As dos outros filmes foram-se tornando cada vez mais confusas. Os figurinos e cenários, com a predominância dos pretos e verdes, algum branco para os Agents (o Neo e os amigos nunca usam branco - nos filmes seguintes esse código de cores não é respeitado), dá-nos simultaneamente a sensação de insólito e a certeza que não estamos na realidade. Mesmo a "realidade", em cinzento e azul, é codificada cromaticamente, com Neo e Trinity a vestirem praticamente a mesma coisa, as mesmas camisolas cinzento mesclado com malhas puxadas, os mesmos jeans cinzentos gastos. Os outros, com variantes noutros materiais "orgânicos" e com a mesma paleta de cores. Esses códigos de cores, mais ou menos assumidos, são fundamentais sobretudo para narrativas distópicas, reforçando emocionalmente a suspensão da descrença, oferecendo ao espectador uma coerência visual que nos deixa confortáveis no universo em questão. Tornar uma narrativa que não é naturalista e realista, visualmente realista, não a torna mais "real" para o espectador e até faz com que se perca essa suspensão da descrença, pois começamos a avaliá-la com os nossos valores da realidade, que quase nunca correspondem realmente aos valores do universo no ecrã e acabam por distrair-nos. Mesmo em filmes mais realistas, há um controlo visual cuidado, que só é bem feito quando não se dá por ele enquanto se está  a ver o filme. No início de The Matrix, não percebemos logo que a paleta de cores é limitada, pois pessoas vestidas de preto e luz esverdeada, é bastante credível na nossa realidade, a luz fluorescente fotografa naquele tom, se não usarmos um filtro corrector. Portanto, essa paleta é familiar. Só damos realmente pela limitação, quando nos é dado o termo de comparação, primeiro com o tom âmbar das cápsulas das Machines e depois com a "realidade" cinzenta e azul.

Porque, não achando eu que as 3 sequelas fazem falta, fui vê-las na mesma ao cinema? Os Reloaded e Revolutions foi na esperança de ainda haver um coelhinho branco para seguir, este Resurrections foi por desporto, por querer ver novamente o Neo e amigos (e o eye candy do Keanu Reeves) no grande ecrã e porque a pandemia deu-me mais vontade ainda de ir ao cinema, apesar de o orçamento nem sempre o permitir. Ah, mas o Resurrections tem uma coisa de que gostei muito, foi ter como base não a Alice no País das Maravilhas, mas a Alice do Outro Lado do Espelho. Não fosse ter tido que enfiar voluntariamente uma zaragatoa no meu próprio nariz, teria valido a pena só por isso. Mas o filme não é responsável por a cultura ser a culpada de todos os focos da pandemia. NOT!

O The Matrix, como franchising, ou fandom, ou o que lhe quiserem chamar, está tão velho e partido, como infelizmente também estão os meus óculos da Trinity, uma das minhas primeiras compras na internet. Ah sim, os óculos deste filme são normalérrimos... O DVD do The Matrix foi o primeiro DVD que comprei, e nunca tive grande vontade de comprar os outros dois filmes ou a box que saiu mais tarde com os três. Este não quero mesmo comprar. Para além disso, o Matrix como franchising, será sempre de segunda, a não ser que a Disney lhe meta as patas em cima. Isso significa, que daqui a um ano, ano e meio, temos os 4 filmes a passar em maratona num qualquer canal de cabo, como já temos volta e meia os três anteriores.

The Matrix

The Matrix Resurrections 

14 dezembro 2021

Vilão que é Vilão, tem Contas Offshore na Ilha da Culatra

Quando assisti ao painel do Pôr do Sol, na ComicCon Portugal este fim de semana, é que percebi que me esqueci de terminar e publicar este post sobre a novela, escrito originalmente em Setembro. 

***

No início, ignorei, já perdi a paciência para novelas portuguesas há imenso tempo. Depois vieram os memes, "mmm... o que é isto?" E depois os posts dos amigos, em cujo gosto confio. Mesmo assim tive de confirmar. Rendi-me ao primeiro episódio! 

Pôr do Sol, O Amor Vem de Noite (sim, tem que ter a tagline!) é a lufada de ar fresco que a televisão portuguesa precisava. Há muito!

Inspirada em antigas sátiras novelescas, como O Diário de Marilú (in O Tal Canal) ou Moita Carrasco, Pôr do Sol é uma "telenovela" a gozar com as telenovelas, um desfilar de todos e mais algum clichés que se podem ver em novelas, desde DallasVale Tudo. O vilão com o copo de whisky na mão, as gémeas separadas à nascença, o bairro popular, cheio de aldrabões e pequenos criminosos, ginginha, pastéis de bacalhau, casas de fados, incesto, raptos, crime, corrupção, assassinato, várias estadias no hospital, um padre muito pouco celibatário, nomeiem o cliché, ele está em Pôr do Sol! Isto tudo aliado aos diálogos mais disparatados, ditos por um elenco impecável. Tenho de destacar Gabriela Barros, que interpreta as gémeas, que faz um trabalho genial! Como alguém disse numa rede social, é um trabalho impressionante, conseguir dizer aqueles dialogos daquela forma tão séria, sem se esbardalharem a rir! Gostava de ter assistido a um dia de gravação, hehe!

Desde os anos 80 que nunca mais se fez nada do estilo e é uma pena. Nicolau Breyner, uma das grandes inspirações dos autores, Manuel Pureza, Henrique Dias e Rui Melo (que também interpreta o vilão, Simão), foi um dos criadores do género, chamemos-lhe, o nonsense à portuguesa. Todas as séries acima a mencionadas, mais Duarte e Cª., tiveram bastante sucesso nos anos 80, mesmo que com meios de produção reduzidos e muito pouco polimento técnico. Eram os meios que existiam e, tipicamente, também foram produzidas com um orçamento muito reduzido, pois não foram levadas a sério. Eram verdadeiras Séries B, feitas com os restos de produções "mais nobres", com os técnicos a contrato pela RTP. Com o sucesso que tiveram, e teriam muito mais hoje, com uma boa campanha nas redes sociais, foi uma pena nunca terem feito "escola" e não terem continuado a ser produzidas coisas dentro do género.

Há uma grande resistência de quem decide, determina, programa as nossas TVs, a sátiras mordazes, que não se levem demasiado a sério. Mesmo Pôr do Sol é curtinha, com apenas 16 episódios, que comprova essa resistência. Espero que o claro sucesso mostre, pelo menos à RTP, que vale a pena apostar em conteúdos nonsense à portuguesa. 

Entretanto a segunda temporada já foi confirmada, vamos continuar a acompanhar a vida dos Bourbon de Linhaça, do Testículo, etc. e a banda Jesus Quisto já é sensação fora do contexto da novela. Tanto, que o amigo que me acompanhou ao painel e ainda não tinha visto a novela, não sabia da relação entre ambas.

O painel na ComicCon Portugal começou com os Jesus Quisto a tocar, Diogo Amaral, vestido de Joker e Madalena Almeida, vestida de Harley Quinn, em honra da ComicCon. Seguiu-se uma entrevista, entre a apresentadora, os autores e actores de Pôr do Sol e o público, onde se falou das inspirações, de detalhes técnicos (os copos para partir custam €35 cada!) e de piadas de bastidores (a maldição de Manuel Cavaco). Foi bem conduzida, de forma leve e divertida, estimulando a participação do público. 

Pôr do Sol (RTP Play)

09 dezembro 2021

Para Sempre... Interminável

 


Uma destas manhãs, enquanto tomava o pequeno almoço, começou a dar a Neverending Story (História Interminável), e pela primeira vez reparei num pormenor na equipa técnica.

Mas primeiro vou falar da minha relação muito pessoal com este filme e, sobretudo, este livro. Quando a adaptação para cinema da Unendlische Geschichte foi anunciada, em 1983, eu vivia na Alemanha, concretamente na RDA. Uma amiga tinha recebido de presente o livro e, desdenhando um bocado uma produção cinematográfica da RFA, com um pezinho em Hollywood, disse-me que o livro era excelente e que eu devia ler. Apesar de falar alemão e andar numa escola alemã, eu nunca tinha lido mais que revistas, artigos, banda desenhada ou instruções para fazer coisas. Enchi-me de coragem, pois o livro (naquela edição) é um tijolinho, e aceitei o desafio. É, até hoje, um dos meus livros preferidos e, apesar de ser para um público juvenil, é um livro que não tem idade e deveria constar muito mais nas listas de literatura fantástica. Este e os outros livros de Michael Ende, que teve o azar de morrer muito novo. Mas Die Unendlische Geschichte tem um problema grave, é um livro que, pelos seus subterfúgios gráficos e literários, perde com a tradução. Em inglês (que nunca li) é capaz de se safar, um bocado como do francês para português, mas em português esses subterfúgios perdem-se quase todos (um deles são os inícios de capítulo, com a primeira letra em iluminura, onde em português pode ficar forçado com facilidade) por causa das grandes diferenças entre ambas as línguas. Para além disso, Ende é um escritor brilhante, com um estilo maravilhosamente surreal.

O filme não passou nos cinemas da minha cidade na RDA, tal como o livro não tinha sido publicado por lá - o da minha amiga tinha sido oferecido, uma edição da RFA - não enquanto eu lá vivi. Por isso já só vi o filme, depois do meu regresso a Portugal, não me lembro quando, mas acho que não foi logo em 1984. Neverending Story é um daqueles casos de uma adaptação problemática. O que aparentemente parecia mais complicado, a recriação de Phantásien e dos seus seres exóticos, foi extremamente bem resolvido, com efeitos práticos inéditos num filme alemão, e uma réplica muito fiel às descrições do livro. No entanto, a história foi hollywoodizada, e focou-se menos na narrativa de amadurecimento que em pormenores secundários, sem importância maior, que foram distorcidos para servir o 'lobby' moralista de Hollywood.

Portanto, o que temos de bom em The Neverending Story? Uma excelente escolha de elenco, segundo as descrições do livro, excepto, talvez, o Atreju com pele verde, um design de produção impecável, muito fiel ao livro, e efeitos especiais de primeira! É lamentável a narrativa não estar à altura. Por isso, apesar de no geral ser um filme bem feitinho, espalhou-se ao comprido, ao tentar hollywoodizar o que é caracteristicamente não-Hollywood.

Tanto relambório por causa de um pormenor?  É um pormenor importante, importantíssimo! A razão é porque os efeitos especiais foram supervisionados por nada mais que Brian Johnson. E com uma mãozinha de Carlo Rambaldi. Mas afinal quem é Brian Johnson? Nada mais que o tipo que fez os efeitos especiais, nomeadamente os Águias de Space: 1999, voar! Johnson trabalhou durante vários anos para Gerry Anderson, foi ele e a sua equipa que fizeram os Thunderbirds voar, o Stingray mergulhar e basicamente ajudou a criar a Supermarionation. Quando Gerry Anderson resolveu aventurar-se em produções live-action, naturalmente a equipa de efeitos práticos, criativa e eficiente, manteve-se. Pouco tempo depois, Johnson e os outros técnicos, que filmavam o Space: 1999 nos estúdios Pinewood, perto de Londres, foram contratados para trabalhar no que viria a ser um gigante da ficção científica: Star Wars, também filmado em Pinewood. 

Portanto, foi uma surpresa agradável ver que os intercâmbios de técnicos de cinema europeus, deram frutos tão bons e explica porque Neverending Story não tem falhas a nível de efeitos práticos. Para além de o filme ser realizado por, o então desconhecido, Wolfgang Petersen, outro nome que figura na equipa técnica é David Fincher, como assistente de fotografia mate, e a Industrial Light & Magic esteve envolvida nos efeitos visuais do filme.

Eis uma razão para rever este filme e observar atentamente os seus efeitos especiais.

The Neverending Story 

05 novembro 2021

Nas Dunas

as duas Reverend Mothers em Dune:
Siân Philips e Charlotte Rampling

Dentro dos filmes adiados por causa da pandemia, Dune era um dos mais aguardados por toda a gente. Para além de ter lido o livro, é verdade que no século passado, sou grande fã do filme do Lynch, de 1984, mesmo com todos os defeitos que lhe são associados. Para não me desiludir muito, fui ver esta nova adaptação com as expectativas muito baixas, mas mesmo assim fiquei um bocadinho desiludida. Não sou purista quanto ao livro, mas sempre achei o final do filme do Lynch apressado. Li o livro pouco depois de ver o filme pela primeira vez, e, em vez de achar que a adaptação falhou, achei que o livro acrescentou informação pertinente mas difícil de incluir numa adaptação cinematográfica, correndo um enorme risco de tornar o filme chatérrimo. O pequeno resumo da situação socio-política, pela voz da Princesa Irulan, para mim, para um filme, foi um estratagema diferente e que não me chateia em absoluto, pois visualmente é intrigante. Naturalmente irei comparar ambos os filmes, é-me impossível não o fazer, exactamente por o novo Dune ser o filme que é.

Vamos por partes.

Vou já despachar o que realmente me irrita: porque mudaram a fonética de dois nomes vitais no universo de Dune? HarkOnnen passou a Hark'nen e Bene Gesserit passou a Bene Jesserit no filme de Villeneuve. Harkonnen, como parece um nome de etimologia nórdica, soa esquisito sem o ênfase no O. Soa tão estranho na nova versão! Já a mudança em Bene Gesserit é mais estranha. Em geral, em inglês, ao contrario do português, o G lê-se G, e muito raramente J, por isso não percebo o "Jesserit". Qual seria a intenção original de Frank Herbert? No IMDB dizem que Villeneuve o fez à francesa, mas que Herbert determinou a pronúncia à inglesa como correcta. É uma pergunta que este filme nos deixa.

A estética.

Uma das coisas de que sou fã no filme do Lynch é a estética muito barroca, que veio quebrar o estilo minimalista ou space age dos filmes de ficção científica até à data. Achei bem mais plausível que houvesse estilos bem distintos tanto no guarda-roupa, como nos cenários de cada planeta, povo ou grupo religioso. Também adoro o traje das Bene Gesserit, com um belo piscar de olho a vários elementos da história do traje e elas têm um ar super sinistro e assustador, com o cabelo e as sobrancelhas rapados. A predominância do laranja em Arrakis, também reforça a presença da spice e o calor insuportável do planeta. Só tenho pena dos efeitos ópticos ficarem aquém até do que se fazia na altura, tornando todas as cenas no espaço um bocado de fazer dó e que quebram a magia do que está tecnicamente muito bom no resto do filme.

No novo Dune, é tudo muito lavado a beige ou cinzento, pendendo os planetas húmidos para os cinzentos e os planetas quentes e secos para o beige. Os tecidos parece que foram todos comprados na mesma tecelagem, ou nas duas tecelagens do universo, uma focada em fibras naturais, lãs e linhos, e outra nas sintéticas, vinis e borrachas. As cores parece que foram eliminadas, senti-me daltónica a ver o filme, não há contraste. Apenas gostei dos fatos de astronauta dos enviados do Império, com os capacetes cheios de fumo laranja, mas não têm o mesmo impacto insólito que têm os do Lynch, vestidos de saco do lixo e com apêndices por todo o lado. Não fiquei minimamente fascinada com os stillsuits, mas gostei de se ver mais vezes a protecção da cabeça, uma das falhas mais imperdoáveis no filme do Lynch. Pelo contrário, as cenas no espaço, os portais, são visualmente muito interessantes, apesar de eu ainda preferir as molduras-portais do Lynch, só é pena o efeito especial estar mal feito. Neste, gostei de algumas naves espaciais, mas são pouco insólitas, excepto os Tópteros, esses são lindos! Acho o filme um grande empastelado visual, onde não se distinguem as várias facções, povos, tribos, uns dos outros.

Até a música parece empastelada. Várias vezes, nos poucos e pequenos crescendos da banda sonora, estava à espera do Prophecy Theme do filme de 1984 surgir, mas depois regressava aos mesmos acordes. Não existe um leitmotiv, uma marcha, nada que distinga as peças musicais umas das outras, a banda sonora é um contínuo com poucas variantes e por outro lado também não é minimalista.

Os actores.

Não tenho grandes criticas a fazer quanto à escolha dos actores em nenhum dos dois filmes, prefiro alguns em vez de outros, mas mais por razões externas aos filmes, por preferências pessoais. Apesar de um bom desempenho, achei a nova Lady Jessica com um ar muito novo (tem mais 12 anos que Timothée Chalamet) e que chorava imenso no filme. Gosto mais da altivez desafiante de Francesca Annis.

A narrativa e realização. 

Não consegui desligar-me do filme do Lynch enquanto via o filme do Villeneuve. Isso, a meu ver, já coloca o filme novo em desvantagem, não se conseguiu distanciar o suficiente e ter um impacto novo na minha cabeça. Mas o não conseguir desligar-me do filme do Lynch também não foi mau, de certa forma fez-me gostar mais deste filme, pois como sabia o que se ia passar a seguir, antecipava os acontecimentos com algum entusiasmo. O velho truque do suspense de Hitchcock, aqui funcionou entre filmes. Mas senti imensa falta da montanha-russa de emoções que o filme do Lynch ainda me provoca, o entusiasmo com que vejo certas coisas a acontecer pela primeira vez, entusiasmo esse que esteve quase ausente neste filme. Achei-o emocionalmente bastante insípido e que terá havido alguma insistência em incluir pequenos eventos que no filme do Lynch ou foram eliminados ou aglutinados por uma questão de economia narrativa. É certo que para fazer uma adaptação equilibrada do livro, um só filme não chega, mas terão sido realmente importantes as cenas a mais no filme de Villeneuve? O compasso do filme ainda por cima é lento e apressa certas cenas importantes, como a do Gom Jabbar. A deste filme não me assustou nada e a do Lynch, ao fim de o ver já não sei quantas vezes, ainda me dá arrepios. Siân Philips mete MEDO! Shadout Mapes foi um bocado relegada a figurante especial e não se percebeu bem o que estava lá a fazer. Para quê mais metragem de película (eu sei, eu sei, o filme é digital) para desdobrar a cena de Paul e Jessica em Arrakis, que até pode estar assim no livro (já não me lembro), mas que bastava ter sido aglutinada como em 1984? E, por fim, se não tivesse lido o livro e visto o filme do Lynch, não ia perceber nada das politiquices daquele universo. De lá só saem duas coisas: os Fremen são explorados e oprimidos (versão de 1984: check!), os Atreides foram levados para uma armadilha em Arrakis (versão de 1984: check! e com menos exposição verbal).

Ah, já me esquecia das visões de Paul. Pontos para o Lynch, que as manteve sobretudo visuais, mas marcantes e que as repete tantas vezes ao longo da primeira parte do filme, que ficamos a sabê-las de cor antes de se concretizarem. Especiaria, Chani, o rato, a Lua, a gota de água, a mão.

E falta o cãozinho! É uma das minhas diversões preferidas no Dune de 1984, ir acompanhando o cãozinho que sobrevive o filme inteiro! Reparem da próxima vez que o virem.

Naturalmente irei ver a parte 2 deste Dune, estou curiosa para saber quem fará de Feyd e de Alia, mas não espero muito mais que um filme tecnicamente bem feito, interpretado por gente competente e já sem o eye candy do Oscar Isaac nuzinho em pêlo!

Dune (IMDB)

22 agosto 2021

Bem Bom


Continuo em Portugal dos anos 80, mas uns aninhos para trás. Tarde e a más horas, finalmente consigo escrever sobre Bem Bom, o biopic sobre as Doce, a mais épica girlsband portuguesa.
Eu, que raramente fixo letras de música, preciso das canções a tocar para me lembrar até das minhas preferidas, ao longo da vida fixei duas ou três, excepto das Doce, onde sei as letras inteiras, das canções mais populares. Está tudo dito, sempre fui fã das Doce, desde os 11, 12 anos, pelo que a escandaleira à volta delas me passou um pouco ao lado, e ainda bem. Lembro-me só de se dizer muito mal da "loira das Doce", que era uma badalhoca ou coisas piores, mas não me lembro da difamação abordada no filme em concreto, mas que terá sido o que gerou tal má língua dirigida a ela e à banda em geral.

As Doce foram uma conjugação inusitada e mágica de boas ideias, a maioria muito arrojada para o Portugal cinzento, e acabaram por ser pioneiras em muitas coisas que, um pouco depois e lá fora, tiveram o dobro ou o triplo do sucesso que elas tiveram. Foi demasiado cedo? Talvez. No país errado? Definitivamente! Mas uma coisa eu digo desde o esmorecer e depois fim da banda, elas mereciam mais, sobretudo respeito!

O filme de Patrícia Sequeira consegue mostrar-nos tudo o que nós, pré-adolescentes e adolescentes da época nos lembramos e aquilo que nos era vedado. Conta a história da banda, desde a sua construção até vencerem o Festival da Canção, de forma linear, clássica e realista. É um filme muito competente, que poderia estar ao lado de outros biopics semelhantes, mas com uma produção hollywoodesca. Assim de repente, lembro-me de uma série deles, uns melhores que os outros, mas muito poucos passados nos anos 80. Gostei muito da mise-en-scéne, gostei da montagem ágil, tem pormenores muito bonitos e bem feitos. O argumento é sólido e aborda muito bem os preconceitos e escândalos que rodearam as Doce. A única coisa que me pareceu, desde o início do filme, muito fora do contexto, foi a secretária, sempre tímida e submissa, para no fim ter um discurso motivacional um bocado forçado. Mesmo a interpretação da actriz foi, dos papéis mais recorrentes, a que menos gostei. Forçado é a única palavra que encontro para a descrever.

O elenco é quase perfeito! Quase todos os actores principais partilham grandes semelhanças físicas com as pessoas que retratam e o resto foram cabelos e maquilhagem. Nem sei como conseguiram encontrar alguém tão parecido com o Tozé Brito, que tem uma fisionomia muito invulgar. Só o Mike Sargeant era mais magro e mais bonito que o actor que o retrata. Até fiquei, "ah pois, é ruivo, tem de ser o Mike Sargeant", mas a figura dele era mais vistosa que no filme.
As interpretações, sobretudo das quatro actrizes, Bárbara Branco (Fátima Padinha), Lia Carvalho (Teresa Miguel - a "ruiva"), Carolina Carvalho (Lena Coelho) e finalmente, Ana Marta Ferreira (Laura Diogo), são impecáveis, sobretudo quando penso que a maioria tem navegado, mais ou menos anonimamente, pelas águas estagnadas das telenovelas em grande parte das suas carreiras. Reconheço as caras de todas, mas concretamente só me lembro do trabalho de Ana Marta Ferreira, que provavelmente vi pela primeira vez, miúda, na Floribella. Já não acompanho novelas portuguesas há imenso tempo, mas cheguei a ver algumas séries juvenis. O restante elenco também tem um bom desempenho, fora a já mencionada secretária. 

Em termos visuais, destaco uma direcção de fotografia muito bonita, com cores de pedras preciosas e uma luz que lembra os bares à antiga de Lisboa, como o Snob ou o Procópio.
Divido os figurinos em duas partes, os figurinos à civil e os dos espectáculos. Os dos espectáculos estão perfeitos, executados magistralmente pela Miss Suzie, com quem me cruzei no secundário. Com certeza que ela teve imenso gozo em recriá-los, e isso nota-se! Os figurinos à civil têm um pequeno desfasamento, mas creio que foi uma decisão criativa, para gerar coerência visual. O filme começa em 1979, mas Fátima Padinha já veste blusões e camisolas que só se popularizaram cerca de 1982. Mas como é uma sequência relativamente curta e introdutória, não me chateia, pois estabelece a caracterização visual de Fátima. Fora essa pequena incoerência, as peças usadas parecem todas genuínas, mesmo que não o sejam, e estão consistentes com o que raparigas de 20 anos vestiam na altura e com as próprias Doce. Os figurinos dos homens, mais conservadores, também estão consistentes com a época, mas é bem mais fácil, já que mudou relativamente pouco desde então. Depois foi engraçado ver as manobras mirabolantes que José Carlos teve de fazer para trazer tecidos de espectáculo, na candonga, para Portugal. Não foi pormenor que pudesse deixar passar, pois era mesmo assim. Nos anos 80, em Lisboa, havia 5 vezes mais lojas de tecidos que agora, os tecidos eram de boa qualidade, mas a variedade era pouca. Lembro-me bem, quando comecei a comprar tecidos, de haver muito pouca coisa com brilhos ou malhas além da lycra, era quase tudo na base dos algodões, linhos e fazendas, e coisas como boás de penas ou tecido de lantejoulas eram caras e raras. Ainda hoje é difícil encontrar alguns desses materiais mais exóticos nas lojas mais antigas que sobreviveram. E depois havia a questão da importação. A malta hoje queixa-se da alfândega, mas naquela época era pior. Numa viagem a Inglaterra em 1983, eu vi uma meloa a ser confiscada no aeroporto inglês, pois era proibido levar comida fresca para o Reino Unido. Tinha a ver com o facto de não haver raiva nas ilhas britânicas, ou assim me disseram.

Antes de ir ver o filme, estava receosa de ter aquela visão feminista moderna, de #metoos e afins (nada contra, mas não queria que um filme sobre uma girlsband se tornasse num instrumento militante), mas achei a abordagem aos problemas que as meninas tiveram de enfrentar justa e elegante. Também gostei de vir a saber melhor o que se passou com Laura Diogo, o ser humano é realmente mesquinho! Espero sinceramente que ela esteja em paz com a vida e que aquele evento nojento tenha deixado de pesar. Ninguém merece!

No geral, também foi emocionante e muito divertido fazer esta viagem ao passado tão bem feitinha e cantar as músicas sempre que surgiram no filme. O filme merece todo e mais algum destaque que tenha tido e espero que este modesto post, leve mais alguém a ver o filme.

Bem Bom (imdb)

08 agosto 2021

Duarte & C.ª

Duarte & C.ª é provavelmente a série de televisão portuguesa mais icónica de sempre. Com meios de produção reduzidíssimos, mas boas ideias e bons desempenhos dos actores, conseguiu-se um equilíbrio de dois géneros que os portugueses raramente abordam de forma satisfatória, a comédia e o policial. Temos bons actores de comédia, mas a comédia, como género televisivo, é quase sempre abordada de forma boçal e medíocre e raramente em ficção. Com o orçamento de uma carica e um cordel, mas graças ao empenho de todos os envolvidos, onde muitos elementos da equipa técnica também participavam como actores secundários, um produtor/realizador extremamente inventivo e uma escrita genial, criou-se uma série que ficou na memória e no coração de quem a viu nos anos 80 e também de quem a viu depois. Qual é a outra série portuguesa, com mais de 30 anos, que permaneceu assim no imaginário nacional?

Infelizmente, tanto a RTP, como exibidora, ou a Castello Lopes, como editora dos DVDs, nunca deram o tratamento merecido a uma série tão popular e querida do público. Restou-nos a RTP Memória, cuja programação é de louvar, que voltou a exibir a série, do primeiro ao último episódio, no início deste ano. Mesmo assim, o que custa às televisões respeitarem o formato original, 3:4, e emitirem os episódios assim? Felizmente podemos mudar o formato na maioria das televisões modernas, mas não deixa de ser uma seca. A RTP Memória não é a única, a Globo, que também transmite muitos programas ainda no formato 3:4, também raramente os emite correctamente. 

Que gozo me deu rever a série! Provavelmente foi a primeira vez que a vi inteira, aliás, lembrava-me melhor da primeira série que da segunda, que já devo ter visto com muito pouca regularidade. A quantidade de ideias brilhantes por episódio é extraordinária, a começar com os bandidos/mafiosos a fazer terapia, anos valentes antes dos Sopranos! Mas há mais, o 2CV a andar sozinho, as mulheres violentas, os bandidos adoráveis, o cientista louco...

Também foi tão bom rever excelentes actores que já nos deixaram, a começar pelo excelente António Assunção, o Tó, o Canto e Castro, o Carlos Daniel, numa participação já no final da série, o Tino Guimarães, que conheci uns anos depois e com quem trabalhei. E outros que felizmente ainda estão connosco, como a Ana Nave, ou a Helena Isabel, ainda umas bebés, ou o Carlos Alberto Moniz, que foi uma espécie de ídolo musical na minha infância. 

É de lamentar a fraca qualidade técnica, sobretudo no som e imagem, mas que acrescentam ao carisma anos 80 de Duarte & C.ª e tornam a série única. Se tivesse um som e imagem impecáveis, já não era a mesma coisa e talvez não tivesse tanta piada. Aliás, a dada altura resolveram assumir o baixo orçamento e qualidade técnica, passando a fazer parte da narrativa cómica. 

Também foi giro rever Telheiras e Alvalade, os bairros de Lisboa mais reconhecíveis na série, como eram nos anos 80. Telheiras, para onde fui viver mais ou menos nessa época,  mas que vi nascer, ainda novinho em folha, os prédios com a pintura original, as árvores novas, as ruas sem trânsito e sem ninguém; Alvalade é o meu bairro do coração e que conheço como a palma da minha mão, e que foi filmado principalmente na minha zona preferida, na Avenida do Brasil e ao pé dos Bombeiros. 

Como em qualquer outra obra que tenha algum tipo de crítica social, em Duarte & C.ª são os salários em atraso, a falta de dinheiro geral, a entrada de Portugal na CEE, é sempre desconcertante constatar como tão pouco mudou, sobretudo na mentalidade das pessoas... Portugal ainda está na mesma.

Duarte & C.ª (IMDB)

23 julho 2021

*junípero

Tenho andado a ver a série de documentários The Balmoral Hotel: An Extraordinary Year,sobre o Hotel Balmoral, em Edimburgo. É impossível ignorar o Balmoral por quem visita Edimburgo. Das duas vezes que lá estive, sonhava com uma estadia no Balmoral nas inúmeras vezes que passei em frente do hotel, passagem obrigatória para quem vai de Princes Street para a South Bridge. É à esquina. Actualmente, o Balmoral é tão importante em Edimburgo como o castelo ou a torre de Walter Scott.

A série é muito interessante, mostra com detalhe o funcionamento do Hotel e todos os rituais que lá acontecem. Infelizmente a tradução não está à altura. O/a tradutor(a) cai em quase todos os false friends, traduz imensa coisa literalmente ("experienciar")e espalha-se ao comprido no que toca às tradições britânicas ou escocesas. Um conceito que lhe é desconhecido é o de high tea e low tea. High tea foi traduzido algo como "chá de alta qualidade", já não me lembro. Uma pequena pesquisa iria explicar que a diferença entre high e low tea é simplesmente a altura da mesa. Low tea é chá servido em mesinhas baixas, estilo aquelas que se costuma ter em frente aos sofás, e high tea é servido em mesas de altura normal. Não tem nada de extraordinário e o que é servido não depende da altura da mesa.

E o "junípero"? Bom, outra asneira de quem teve demasiada preguiça para ir ao dicionário. Juniper, o ingrediente principal do gin, traduz-se zimbro. OK, no dicionário também está junípero, mas zimbro é o uso mais comum e também é o ingrediente principal da poção mágica no Astérix,  mas pelos vistos quem traduziu não leu o Astérix. Será que a poção mágica afinal é gin? Se for, estou lixada, detesto gin! 

juniper (Encyclopaedia Britannica)

zimbro

27 junho 2021

*estradas ventosas

Gordon Ramsey faz-se à estrada pelas montanhas de Maui, em Gordon Ramsey: Uncharted, e as estradas são ventosas... Até podiam ser, mas estão mais para o sinuosas, como as estradas em montanhas costumam ser.

Ramsey falava em winding roads, uma olhadela para o ecrã ou uma curta consulta ao dicionário esclareciam isso.

winding

26 maio 2021

Imortais e Artes Marciais


Para um franchise que adoro, conjuga duas das minhas paixões, a Escócia, tartan e homens e kilt, e esgrima, principalmente a esgrima japonesa, comecei com o Highlander aos tropeços. Não vi o primeiro filme no cinema, lembro-me do hype, das minhas colegas do secundário todas babadas com o filme, talvez tenha sido por isso que não o fui ver ao cinema, apesar de o Christopher Lambert ser um dos meus actores preferidos na altura. Acabei por nunca o ver numa sala de cinema.

Já o segundo filme fui ver numa das últimas vezes, se não a última, em que fui ver um filme ao Cinema Império. Já sabia que mais cedo ou mais tarde a sala acabaria por fechar, essas últimas vezes que lá fui, foram para aproveitar a sala. Sempre que havia um filme que me interessasse em cartaz, eu ia vê-lo. Todas as vezes que lá fui nessa altura, estavam 3 pessoas numa sala de 3000 lugares. Eu, o meu companheiro de cinema e um estranho, em geral na secção da sala onde não estávamos. Lembro-me bem do filme, era um bocado mais fantástico que o primeiro, não achei tão bom (entretanto já tinha visto o primeiro na TV), mas achei plausível e diverti-me a vê-lo.

Nessa época, já tinha a vontade de ver filmes de artes marciais, principalmente os do Bruce Lee, mas, como rapariga, eram filmes a que não tive muito acesso, a única coisa do género que consumi apaixonadamente foi a série The Water Margin (Li Chung, em PT) e Os Jovens Heróis de Shaolin, nos Verões no Alentejo. Portanto, actor preferido, Escócia e artes marciais, com sabre e espadas, o que mais queria eu?

Como não vi os filmes todos, e só vi um no cinema, foi com a série, já nos anos 90, que pude satisfazer parte dessa vontade. Mas, ainda na era do VHS, com horários televisivos pouco estáveis, também não consegui ver a série Highlander inteira e a eito. Agora, com a reposição na RTP Memória, finalmente vi tudo.

Vamos por partes.

Quando recomecei a ver a série, estava muito espantada por a achar muito melhor do que me lembrava. Realmente, a primeira temporada é mesmo muito boa, introduz bem o protagonista e as outras personagens, tem uma narrativa interessante, que conjuga muito bem os canons de Highlander, o quotidiano e uma narrativa romântica, e os actores, fora o Richie (que actor e personagem mais irritantes!), funcionam bem juntos. Alexandra Vandernoot, a Tessa, é bastante boa actriz e tinha uma boa empatia com Adrian Paul. Adrian Paul, para além de ser bem giro e comestível e não ser de todo mau actor (apesar das más linguas dizerem o contrário), nota-se que percebe de artes marciais. Numa série onde os duelos com espadas e a sobrevivência são o tema principal, isso é fundamental e foi onde Christopher Lambert não primou tanto. A primeira série é sucinta, variada e bem realizada. Nota-se também a mão europeia na produção, isso reflectiu-se no seu carisma.

O problema é que resolveram matar a Tessa e a tensão amorosa e o dilema principal de Duncan, de, como imortal, partilhar a vida com uma mortal, evaporou-se. As séries subsequentes variaram entre o imortal do dia e uma pseudo comédia um bocado pateta. Também começaram a ser mais recorrentes e às vezes irritantes, os flashbacks históricos. Escócia, que é bom, quase nada, infelizmente. Para compensar a ausência de drama geral, os efeitos de som e dos quickenings, foram ficando cada vez mais espampanantes. Houve uma altura, acho que na terceira temporada, em que cada vez que um imortal se aproximava, parecia que se ouvia pianos a cair de cima de prédios. Nos quickenings, o fogo de artifício é cada vez maior, e até uma casa, de madeira, que Duncan estava a restaurar, é completamente demolida. Depois entraram num misticismo exagerado, com direito a maldições milenares, quatro cavaleiros do apocalipse e sei lá que mais.

Por outro lado, as personagens recorrentes de Amanda, Fitz (Roger Daltrey, dos The Who), e Methos, em parte também a personagem Joe Dawson, apimentaram de maneira simpática a narrativa. Se bem que a narrativa dos Watchers não é tão dramática como a de Tessa, mas é mais sustentável por muitos episódios. No início achei Amanda um bocado enfiada à força, mas acho que conseguiram dar-lhe a volta e acabou por complementar bem o sorumbático Duncan. Também foi fixe ver, por ser uma co-produção francesa, actores europeus, na altura pouco conhecidos, como uma Marion Cotillard adolescente, entre outros.

O guarda-roupa histórico, surpreendentemente, não é nada mau, principalmente o dos homens. Suponho que haja mão das casas de guarda-roupa europeias nisso. Já nas mulheres, há bastante cetim de poliéster e penteados anos 80. Devem ter ido buscar os figurinos ao Amadeus! Foi pena terem-se concentrado principalmente em 2 ou 3 épocas, sécs. XVII, XVIII e XIX, e depois até à II Guerra Mundial. Anos 50 a 70, ou mesmo 80, quase nada. Também tenho pena, tendo explorado tantas aventuras imortais, não haver mais pormenores de como mudaram de identidade para poderem continuar a fingir que são mortais. Há quase sempre coisas implícitas, mas esquemas do que fizeram, fora a morte francesa de Richie e a canadiana de Duncan, ou quando Duncan vai recolher uma fortuna em juros do "bisavô", pouco mais há. O lado da aprendizagem das artes marciais também é pouco explorado, assim como a adopção de Duncan de uma katana em vez da espada escocesa que usava antes. Há dois ou três episódios que explicam isso, mas podiam ter sido arcos narrativos completos, em vez de alguns episódios muito repetitivos.

Por fim, há o "efeito Sailormoon". Eles devem guardar as espadas dentro deles de forma mágica, pois na maioria das vezes é impossível terem-nas escondidas na roupa, mesmo nas gabardinas compridas e etc... A facilidade com que transportam armas brancas entre continentes também é curiosa. A excepção é mesmo o Duncan, pois é antiquário. E para onde vão os imortais decapitados? Nos filmes a polícia investiga um serial killer, na série há duas ou três tentativas de uma intriga policial, mas na realidade, parece que ninguém repara. Na minha memória difusa da série, os corpos desintegravam-se com o quickening, o que seria uma maneira plausível de resolver a questão, mas afinal não. Os corpos ficam lá, e ninguém desconfia. É suspensão da descrença a meio gás.

A série final é a mais pobrezinha de todas, mas o episódio duplo final, mesmo com a narrativa "como seria o mundo sem mim?", é satisfatório q.b. De qualquer maneira, gostei muito de rever a série e vou ficar com saudades de lavar os olhos com um Adrian Paul sorumbático e herói romântico, antes de ir deitar. Agora seria bom rever os filmes e ver os que não vi. Tenho de fazer umas buscas na box...

Highlander Wiki

26 abril 2021

93 Oscars Art Déco

A pandemia obrigou a organização dos Oscars a grandes mudanças, se quisessem manter uma cerimónia ao vivo, e realmente foram grandes!
Stephen Soderbergh e a sua equipa consultaram especialistas, escolheram um novo e inusitado local, a Union Station, uma estação de comboios funcional, no centro de L.A., limitaram os convidados e testaram toda a gente. Os grandes átrios e pátios da estação art déco foram redecorados, e o átrio maior, que serviu de sala para o evento, com cabines e mesinhas em socalcos para os convidados, um palco baixinho com uma cortina azulão com cordões dourados, como pano de fundo. Fez lembrar os clubes nocturnos dos anos 20-30, onde se deram as primeiras cerimónias dos Oscars. Gostei muito! Gostei de se encaixar como uma luva no estilo art déco da estação, parecia que sempre foi assim, gostei da elegância e ao mesmo tempo simplicidade do décor. Porque se tratou de um décor, construído para a ocasião.

A cerimónia deu-se nos mesmos moldes "simplificados" do espaço. Com as performances musicais a decorrer num espaço e tempo à parte, No terraço do Museu de Hollywood, ainda a inaugurar. Essa foi a parte que tive mais pena, de não se assistir, aos concertos durante a cerimónia, mas posso vê-los depois, se fizer mesmo questão. 

Já volto à cerimónia,  mas quero despachar a outra grande mudança, de volta à emissão pela RTP. A RTP resolveu não seguir o exemplo e fazer uma apresentação comedida, e criar uma coisa aparatosa no Cinema São Jorge. Podem argumentar que assim estão a apoiar a cultura em Portugal, ao usar uma das salas mais usadas em Lisboa, só que não. Quem trabalha no Cinema São Jorge, trabalha para a EGAC, a empresa da Câmara que gere a área da cultura em Lisboa. Essas pessoas estão a contrato e, durante a pandemia, mesmo não havendo eventos na sala, receberam o seu ordenado, que vem do mesmo sítio que os das pessoas da RTP, o Estado. O programa da RTP teve 3 fases/núcleos: a ante-estreia do filme Minari (?), antes da cerimónia; uns caramelos a comentar o que se comenta nas redes sociais e a Catarina Furtado e o Mário Augusto, sentados no foyer superior do São Jorge, com 4 doses de convidados (aos pares), a comentar as cerimónia. O Mário Augusto continua o mesmo boçal de sempre. Que insistência idiota foi aquela do cinema clássico? Isso já não existe! A Catarina Furtado a mesma parvinha que sempre foi. Quando teve a Ana Rocha à frente, só soube perguntar-lhe porque o filme dela não foi candidato aos Oscars. Cringey! Que vergonha! Felizmente a Ana Rocha parece ser inteligente e deu uma boa resposta. E nem todos os convidados fizeram o trabalho de casa: Joana Barrios, moça com quem simpatizo bastante, confundiu o estilo de Paco Rabanne com o de Pierre Cardin. Ambos são do "space age", ambos são contemporâneos, mas tiveram estilos bem diferentes! Vindo de alguém convidada como especialista em moda, é mau. Depois Jorge Paixão da Costa quis andar na picardia com Vicente Alves do Ó, por questões parvas de gosto. Felizmente o Vicente não lhe deu corda, mas o homem não se calava! Há um fosso de diferença entre um cineasta e um cinéfilo, são poucas as pessoas que são ambos.
Felizmente, felizmente, apesar de não mostrarem rigorosamente nada do Red Carpet, a comitiva tuga não se sobrepôs quase nada à cerimónia. Mas depois o extra do After Party foi ainda pior que o Red Carpet, era só ouvir aquela malta no blá blá blá... Mas foi fixe ver lá o Artur Ribeiro, espero que o filme dele finalmente estreie em breve. 

Carey Mulligan, em Valentino

O Red Carpet. Vi sobretudo fotografias, foi simples e pequeno, pois o número de vedetas convidadas era consideravelmente inferior. Os vestidos tenderam outra vez para os dourados, e foi muito bom ver uma boa percentagem dos homens a usar um estilo menos clássico, com rosa choque e dourado entre algum veludo. Adoro veludo! Gostei particularmente bastante do de Carey Mulligan e da Zendaya.

A cerimónia começou bem, com um genérico funky anos 70, e música a condizer. A orquestra foi eliminada e tiveram um DJ, o que tornou tudo mais leve e menos chato. A música era disco, pop, funk e pontuou muito bem as apresentações e discursos. Já ninguém aguentava aquela musiquita dos Oscars! Os discursos fluíram, não foram interrompidos, foram interessantes na maioria, e com conteúdo, sem precisaremde ser provocadores. Houve alguns agradecimentos aos pais, mas cada vez menos a Deus. Ufa! Quando se via a plateia, via-se sempre os vestidos de Carey Mulligan e de Amanda Seyfried x'D E adorei o anticlímax final, deixaram o melhor actor para o fim, sim, trocaram a ordem toda à entrega dos prémios, provavelmente a achar que Chadwick Boseman iria ganhar postumamente, em que Anthony Hopkins venceu, sem estar presente na cerimónia, nem sequer aceitar em vídeo. 5h da manhã no Reino Unido, o senhor estava sossegadinho na cama! Hahaha!

Estava a pensar, quando vi o alinhamento, yay, este ano temos direito a after party, e depois a menina Catarina e Ca. não nos deixaram ver! Cada vez menos me preocupo em ver os filmes antes sa cerimónia, não é necessário. A cerimónia tem tido a função de me mostrar quais os filmes me podem interessar ver, e é assim que a vejo agora. Interessei-me por The Father e Manx. Gostei bastante desta cerimónia, gostei do formato mais simples. Via-se toda a gente e nem senti muita falta de um apresentador e piadinhas fora de prazo. Só tive pena, como já disse, de os números musicais não estarem incluídos no tempo da cerimónia, mas tivemos uma pequenina rábula mais ou menos a meio. Nos últimos anos, mesmo sem pandemia, a cerimónia tinha se tornado uma grande seca, não me lembro de quase nada da do ano passado. Mas andava cansativa, com coisas a mais, este formato é bom, seria bom se o mantivessem.
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