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18 janeiro 2025


Se não me falha a memória, o primeiro filme que vi de David Lynch foi o maravilhoso The Elephant Man, na televisão. Já conhecia a história de John Merrick, tendo sido criada por uma anglófila, mas na altura todo o conjunto do filme impressionou-me do mesmo modo que a história original já impressionava. Entretanto já o vi num cinema, o único sítio onde determinados filmes devem ser vistos, e só posso dizer que é um filme sublime.

Em 1984 eu vivia fora de Portugal, num local com difícil acesso a determinados filmes, andava sedenta de ficção científica, e a primeira coisa que fiz, quando regressei a Portugal, no Verão de 1985, foi enfiar-me numa sala de cinema e ver o Dune, o meu primeiro Lynch num cinema. Adoro o Dune até hoje, adoro tudo o que introduziu na ficção científica, a ficar estagnada num universo quase ascético, criado pela minha amada série Space: 1999, e perpetuada pelo universo de Star Wars. Já o revi várias vezes, seja no cinema ou na TV, e continuo a encontrar-lhe coisas novas.

Avançando uns anos, no final dos anos 80, andava desejosa de ver o Eraserhead, do qual apenas conhecia a famosa foto do cartaz e que tinha sido o primeiro filme de David Lynch, aquele tipo do Dune. Só o vi, bastantes anos depois, acho que numa sessão no Cinema King.

No meu primeiro ano da Escola de Cinema, começaram a surgir notícias acerca do episódio piloto de Twin Peaks, uma série criada por Lynch, em desenvolvimento. Um colega tinha esse episódio numa VHS oficial, que tentámos ver na Escola (tínhamos leitores de VHS em quase todas as salas), mas não conseguimos um leitor disponível durante o tempo de duração do episódio e basicamente só vi a primeira cena, da Laura Palmer a ser encontrada na praia, embrulhada em plástico translúcido, ao som de Badalamenti. Felizmente não demorou até que a série estreasse em Portugal, que vi o mais assiduamente que me foi possível, numa época de gravadores VHS que não eram programáveis e nada de boxes de TV ou serviços de streaming. Nunca vi o final da série, fui perdendo vários episódios seguidos e, com a intriga a ficar cada vez mais embrulhada, perdi o fio à meada e o interesse. Cansei-me. Mas vi o Fire Walk With Me, que nos deu um bocadinho mais de Laura Palmer que a série, mas não cheguei a ver a nova série.

Blue Velvet teve mais ou menos o impacto inicial em mim que teve Twin Peaks, aquela middle America suburbana, que esconde um lado muito sombrio e sórdido. Ah, o Dennis Hopper...

Vi Wild at Heart no Cinema Londres e saí da sala furiosa. Detestei. Passado algum tempo, umas semanas, pensei para mim própria que para ter tido uma reacção tão violenta, é porque o filme não pode ser mau e merece ser revisto. Revi-o depois do último dia de aulas da Escola de Cinema, numas sessões de cinema drive-in das Festas de Lisboa, na Bica do Sapato, e obviamente adorei revê-lo. Acho que o Wild at Heart é, a par com o Dune, sorry Mr. Lynch, o meu preferido de David Lynch.

Fui continuando a ver os filmes dele, Lost Highway uma trip, Mulholland Drive uma alegoria muito Lynchiana de Hollywood (que vi mais ou menos na mesma altura em que li Coldheart Canyon, de Clive Barker, que à sua maneira, trata da mesma zona de LA e da mesma temática), mas, continuando a adorar os filmes, nunca mais tiveram o mesmo impacto.

Por circunstâncias da vida, nunca cheguei a ver a maioria dos últimos filmes dele, A Simple Story e Inland Empire entre eles, mas é uma falha a ser colmatada. Uma das razões porque não vi Inland Empire, foi porque andava com muito pouca disponibilidade quando o filme estreou e, quando dei por ela, tinha saído de cartaz.

Sigo o Lynch pelas redes sociais desde que comecei a usá-las, tive um momento WTF quando o que ele publicava eram basicamente os vídeos da meditação transcendental (absolutamente nada contra e aprendi umas coisas com isso), ou as suas pinturas, e Lynch continuava ali, a viver naquele cantinho das coisas que gosto, mas sem lhe prestar muita atenção. Foi agora, com a morte de David Lynch, a ver a gigantesca quantidade de fotos dele online, de posts de apreciação e homenagem, que percebi que Lynch teve um impacto muitíssimo maior na minha vida do que eu pensava.

A última coisa que vi dele/com ele, foi a sua interpretação de John Ford em The Fabelmans, de Spielberg, que vi há menos de um ano, na TV. Participação da qual não fazia ideia e me surpreendeu imenso, principalmente porque ali, ao ver essa cena, parecia que o real Lynch terá sido um desdobramento do Ford, no modo como falava com as pessoas, de modo provocatório e directo. Foi muito bem apanhado, Sr. Spielberg!

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