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15 junho 2020

O Último Estertor da Hollywood Clássica


Este mês, a FOX Movies resolveu fazer um ciclo de filmes de Jerry Lewis e eu resolvi revê-los, pois já não via nenhum desde os anos 90, época em que também passava o The Jerry Lewis Show, o seu programa de variedades, na nossa TV.
Passaram os filmes, por ordem cronológica: Rock-a-Bye Baby, The Geisha Boy, Cinderfella, The Ladies Man, The Nutty Professor, Who's Minding the Store, The Patsy, The Disorderly Orderly, The Family Jewels, Boeing, Boeing e Ja, ja, mein General! But Which Way to the Front?. Filmes do final dos anos 50, início dos 60. The Nutty Professor passou com o título português As Noites Loucas de Dr. Jerryl, mas eu lembro-me bem de ver o filme em cartaz com o título O Professor Chanfrado. Em que ficamos?

Tal como os filmes de cordel, estes filmes têm uma fórmula básica: Jerry Lewis faz sempre de trapalhão ingénuo, que conquista a sua felicidade no final. É quase sempre uma personagem plana, mas que muda o status quo à sua volta. Costuma ter um interesse romântico, na pele de uma menina jeitosa, loirinha, um pouco mais vivida que ele, mesmo que seja mais nova. Também costumam contracenar com ele actores veteranos, como a fabulosa Agnes Moorhead, Peter Lorre ou Tony Curtis. São 90 a 100% filmados assumidamente em estúdio, mesmo a maioria dos exteriores são em estúdio, têm pelo menos um número musical ou uma big band convidada, uma equipa técnica fixa e, last but not least, os figurinos femininos são de Edith Head. Um regalo para os olhos. A única coisa que varia é o contexto, onde há um pouco de tudo, uma universidade, uns grandes armazéns, animar as tropas num país ocupado, uma terra pequena, uma pensão de raparigas. O conflito costuma ser o desajuste das personagens de Jerry, que faz com que quem o rodeia se adapte, porque é bom rapaz. Claro que nem todos têm todos estes elementos e há sempre pequenos quadros que se tornam memoráveis, como o da máquina de escrever, em Who's Minding the Store, ou os magníficos cenários de The Ladies Man ou The Patsy.

Acho uma certa piada a Jerry Lewis, as histórias dos seus filmes são simples, mas eficazes, tem ideias geniais, que têm sido copiadas inúmeras vezes, e um excelente desempenho de todos. Aliás, acho que Lewis é um bom actor, a dada altura fixou-se demasiado num registo um bocado palerma, que é muito cansativo. Quando Lewis actua a sério, mesmo em cenas de comédia, percebe-se o seu talento, o problema é que descamba sempre para o registo da idiotice, que por vezes estraga. As caretas, os trejeitos e aquela voz irritante, tornaram-se de tal forma a sua imagem de marca, que é impossível escapar. No entanto, os seus filmes são muitíssimo bem produzidos, dentro do sistema de produção clássico do Studio System. Ele era com certeza extremamente popular, pois mesmo dentro deste tipo de produção, estes filmes tinham um belo orçamento. O mais discreto destes todos é Geisha Boy, onde o orçamento da direcção artística foi gasto na produção fora de portas. Falando em Geisha Boy, para um filme dos anos 50, com um título infeliz, filmado no Japão, no meio da ocupação americana do pós guerra e da segregação, com uma temática pró-americana, o filme tem um enorme e invulgar respeito pela cultura japonesa. Todos os actores orientais, falando ou não inglês no filme, são japoneses ou seus descendentes, os cenários naturais muito bem filmados e os únicos clichés são as paisagens turísticas. Os kimonos todos genuínos e vestidos como deve ser, até um consultor japonês o filme tem! Não sei até que ponto Edith Head teve mão e opinião no guarda roupa japonês, mas se teve, também teve imenso respeito e nada parece desajustado..
Gosto muito da estética guerra fria destes filmes. Têm uma direcção artística, muito clean, com uma paleta de cores desaturadas, onde predomina o branco e as únicas cores vivas costumam ser o vermelho, o azul celeste, o verde relva, o amarelo ou o laranja. Cores muito solares. Essas cores vivas, em geral estão directamente associadas a Lewis, como se para o destacar. Esta estética também era popular em televisão de estúdio, e conjuga elementos clássicos com elementos modernistas. O melhor exemplo para descrever esta estética, é uma memória que tenho de mais tarde, do Jerry Lewis Show, onde uma varanda, tão grande como um terraço, tinha relva sintética (astro turf) e um banco baloiço, provavelmente com tecido às flores. Há uma varanda semelhante, que se vê bem no final de The Patsy.

Jerry Lewis é filho, ou neto, do Vaudeville, isso nota-se no modo como os seus filmes são concebidos em forma de quadros. No meio da transição, em termos históricos e técnicos, estes filmes parecem antigos e conservadores, face à vanguarda, que ganhava terreno a olhos vistos. Por seguirem o modelo dos musicais clássicos, como os filmes de Esther Williams ou Fred Astaire, são o que restou dos filmes de estúdio da Hollywood clássica. Mesmo assim, estava à espera de os filmes terem mais tiradas, agora politicamente incorrectas, do que na realidade têm. Apesar de comédia slapstick e dentro do sistema, Jerry Lewis consegue esquivar-se sempre a tópicos mais sensíveis, dando-lhe uma certa intemporaneidade.

É muito interessante ver estes filmes de uma assentada, analisar os elementos em comum e deleitar-me com a sua estética reconfortante, mesmo que irrealista. Não devem em nada aos filmes actuais em termos de ritmo e, apesar de serem uma representação utópica do American Dream, como são muito bem feitos e exercem bem a suspension of disbelief, ainda se vêm muito bem hoje.

06 junho 2020

(Inserir Banda Sonora Dramática)

Existe um estilo de série (e filmes também, mas vou concentrar-me nas séries), que quer que seja levada a sério, que se instalou neste século. Este estilo não é assim tão novo, apareceu com a revolução nas séries de TV, com o Twin Peaks, Wild Palms e, mais tarde X-Files, mas parece que se tornou moda com o crescimento das produtoras e canais, como a HBO, Netflix, Amazon Prime, etc.

Mas afinal do que s trata? São séries dramáticas, que envolvem alguma intriga misteriosa ou conspiração, fotografadas em tons escuros, acinzentados ou sépia, e cuja banda sonora é constituída por sons graves, dramáticos, com muitas cordas, acordes bruscos e cenas de silêncio musical total. Eu gostava deste estilo, sobretudo quando era novidade e tinha a magnífica banda sonora de génios como Angelo Badalamenti, que ajudou a estabelecer o ambiente melancólico e insólito de Twin Peaks. Enquanto era em doses moderadas, funcionava. Mas eis que nesta quarentena consumi muitas séries de seguida, na TV e não só, e quando comecei a perceber um padrão, começou a irritar-me, mesmo que o restante conteúdo não fosse mau.

Nestas séries que vi recentemente estão: Chernobyl, Star Trek: Picard (a que tem a melhor banda sonora destes exemplos) e a portuguesa A Espia. Nenhuma destas séries é má, mas também nenhuma tem na narrativa variações dramáticas suficientemente fortes para sustentar estas bandas sonoras muito monocórdicas. Isso acaba por ter um efeito contraproducente, dá-me sono ou faz com que a minha atenção seja desviada para outras coisas (como por exemplo escrever este post enquanto um episódio corre na TV).

Sobre Chernobyl já escrevi, Star Trek: Picard não é má, mas parecia mais que estava no universo de Caprica que de Star Trek. No geral gostei, mas não é de todo marcante. Tem mais um efeito nostálgico, talvez testamentário, e falta-lhe uma certa patetice, que dava cor a Star Trek. Cá está, leva-se demasiado a sério.
A Espia, protagonizada por Daniela Ruah, de quem sou fã desde os Jardins Proibidos e não decepcionou, é uma boa série portuguesa, sobre a espionagem em Portugal durante a II Guerra Mundial, um tema não abordado vezes suficientes na ficção nacional. É muitíssimo bem produzida, tem uma bela fotografia, boa realização, a história não é má, tem excelentes desempenhos dos actores (apesar de achar que os sotaques estrangeiros precisavam de mais um bocadinho assim), bom guarda-roupa e uma dessas bandas sonoras dramáticas. O problema não é a série em si, é a redundância e já haver demasiadas séries com um estilo semelhante, que faz com que A Espia se perca no meio delas, por não ter nada que a faça destacar.

De qualquer modo, fico feliz por se andarem a produzir séries como A Espia em Portugal, significa que algo está a mudar e os defeitos técnicos e de estilo que marcavam negativamente a ficção nacional, estão defiitivamente em vias de extinção.

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