Vou fazer aqui uma comparação, talvez injusta, talvez não, entre um filme e uma série, inspirados na mesma pessoa: Christian Dior. O filme é Phantom Thread, de Paul Thomas Anderson, a série, The Collection, produzida pela BBC, entre outros, e passou na RTP2. Curiosamente são ambos do mesmo ano, 2017, e, se não me engano, o ano da grande exposição de Dior em Paris (este ano numa nova versão no V&A, em Londres).
A linha narrativa de ambos é bastante diferente, a do filme está, a meu ver, mal resolvida. Promete-nos um sociopata perfeccionista sinistro e não cumpre, tanto na sociopatia como no perfeccionismo. Mas já lá vou. A série tem uma intriga mais simples, sobre a dualidade ética e moral, uma família disfuncional, com uns crimes pelo meio. O seu final é um tanto em aberto, o que, se não houver uma segunda temporada, é um bocado insatisfatório. Uma coisa ambos têm em comum, a ascenção da pobre costureirinha (ou trabalhadora pobrezinha) a uma classe privilegiada. O filme é muito bem realizado em determinadas partes, a série tem uma realização competente, como costuma ser norma nas séries britânicas. Portanto: Phantom Thread é um filme desequilibrado e insatisfatório, The Collection é uma série competente, com uma narrativa interessante, que segue mais de perto a história de Dior, com intrigas ficcionais paralelas, se bem que não é particularmente original.
Outra coisa que quero despachar já é o elenco. Daniel Day Lewis (Phantom Thread) consegue ser mais meticuloso na composição da personagem que a própria personagem, mas não gostei da falta de empatia entre ele e a sua companheira de elenco, que aliás não me convenceu. Os restantes actores estão bastante marcantes, mas com personagens demasiado secundárias. A série tem um elenco mais homogéneo e circula à volta de várias personagens. Uma das razões que me fez ver a série foi Richard Coyle e Frances De La Tour, mas não há grandes diferenças no desmpenho de nenhum dos actores, sejam eles ingleses ou norte americanos (Mamie Gummer, filha de Meryl Streep, está no elenco), estamos a falar da máquina bem oleada da BBC.
Onde está afinal a comparação? No guarda-roupa.
Quando vi Phantom Thread fiquei chocada com todo o hype em redor do guarda-roupa, ganhou um Oscar? Deixa consultar o IMDB. Yap, ganhou um Oscar para Melhor Guarda-Roupa. COMO??? Nunca no filme nenhum vestido assenta bem à protagonista, nem na primeira cena da prova, fundamental para a narrativa, o vestido lhe fica a assentar bem. Para um tipo meticulosamente sinistro, o resultado do seu trabalho é trapalhão. Não é preciso perceber de costura para ver que quase todos os vestidos tinham costuras arrepanhadas (o que significa um mau corte), o primeiro vestido tinha os bicos do peito quase no pescoço da rapariga e parece que ninguém ouviu falar em ferro de engomar naquele atelier. Vi vestidos a assentar muitíssimo melhor em personagens secundárias. Por exemplo o vestido de noiva, demasiado parecido com o de Grace Kelly. Isso, aliado a designs pouco interessantes, fez com que passasse o filme todo a reparar nos defeitos, um bom guarda.roupa não pode fazer isso. Um bom guarda-roupa, para além de uma boa execução, deve sobretudo servir as personagens e a narrativa, não distrair o espectador. A partir do momento que os figurinos de Phantom Thread me chamaram a atenção, ainda por cima pelas razões erradas, falhou. Por isso não percebo o Oscar, não me lembro quais eram os outros nomeados, mas deviam ser uma porcaria. Dito isto, guarda-roupa à parte, foi o filme de PTA de que menos gostei, sempre gostei dos filmes dele por terem argumentos muito bem escritos, serem muito coesos e interessantes, o que me faz crer que o tema da alta-costura não é adequado para ele, pois o fetiche que dá nome ao filme não é cumprido e o conhecimento dele acerca desse universo é claramente limitado. Achei tudo muito morno. Mas a primeira cena com Daniel Day Lewis a vestir-se vale o resto do filme. Quando acaba, podem sair da sala
The Collection, não sendo uma série brilhante e com certeza com um orçamento bem mais baixo que Phantom Thread, tem um guarda-roupa maravilhosamente bem feito, desde a roupa interior aos enfeites nos chapéus, desde a chungaria nas espeluncas em Paris até à dama da alta-sociedade americana pirosa, não há um botão fora de sítio. De facto até uma decoração num vestido da dita colecção é a chave para uma das intrigas, mas aí é onde acho que a série falha, esse ícone aparece de modo forçado e a sua ligação a um crime pode ser lógica, mas num panorama geral não seria conclusiva. A série vive dessa dualidade, todas as personagens têm algo a esconder, que por vezes afecta todos os outros em seu redor. Os figurinos e a história da colecção, estão lá como pano de fundo para outras histórias, essas sim que fazem avançar a narrativa.
No filme, onde os figurinos têm um papel fundamental, falha na execução. Na série, onde os figurinos servem apenas de contexto, está tudo impecável. Chattoune e Fab, os figurinistas creditados no IMDB, e a sua equipa estão de parabéns, Mark Bridges, apesar do Oscar, não está.
Phantom Thread
The Collection
Há 9 anos
0 zappings:
Enviar um comentário