Há 9 anos
08 março 2020
Múltiplas Personalidades
Não é facil escrever sobre Legion e vou já avisando que este post é capaz de não ser dos mais coesos. Mas é capaz de ficar a fazer "pandan" com a série. Ou não.
Legion é capaz de ser a melhor coisa cuspida pela Marvel, fora do formato banda desenhada, desde sempre! Nem sei como uma série como esta conseguiu ser produzida e ainda por cima ter 3 temporadas!
Legion não é fácil de digerir, Legion não é banal, Legion tem uma estética diferente, Legion é uma série confusa, sem o ser. Para uma série, cujos episódios têm de ser vistos com 200% de atenção, tem um arco principal da narrativa estranhamente fácil de seguir. Cada episódio dá imensas voltinhas e acaba sempre de forma chocante e inesperada, mas mesmo assim, talvez por ser um caos organizado, por se manter fiel e coerente no seu universo surreal, acaba por tornar-se simples.
Uma das coisas que mais gostei da narrativa de Legion, é que faz o mesmo que David Cronenberg faz em Spider, posiciona-se dentro da cabeça de um esquizofrénico. Em Spider, Cronenberg não tinha o peso de uma empresa como a Marvel em cima, pôde fazer mais ou menos o que bem lhe apeteeceu. Portanto, a narrativa é desconstrutiva e não almeja a nenhum tipo de linearidade. Torna-se um objecto cinematográfico quase abstracto, mas fascinante. Em Legion, a narrativa fugiu mais para o surrealismo, o que a ancora em referências que nos são familiares e torna o processo de assimiliação mais cerebral e menos emocional. O que quero dizer é, em Spider deixamo-nos levar pela envolvência, pelo desempenho do actor protagonista, pela banda sonora, pela imagem, pela mise-en-scène, e não nos preocupamos em montar o puzzle da narrativa. Em Legion, a história é contada de forma linear, em episodios não-lineares, com uma perspectiva distorcida, mas não fragmentada. É como se vissemos a historia através de um caleidoscópio. Aliás, a imagética do caleidoscópio repete-se ao longo das três temporadas.
Cada temporada de Legion foi construída como se de um acto se tratasse. A primeira apresenta-nos as várias personagens, introduz as suas características psicológicas e, nalguns casos, as físicas e apresenta-nos o dilema do protagonista: tratar a doença mental e lidar com os super poderes de mutante. A segunda temporada leva-nos em busca do antagonista e revela-o. A terceira inclui a origin story e como o protagonista resolve o seu dilema. Portanto, bastante simples e linear. Mas a estrutura de cada temporada e de cada episódio, fazem-nos sentir como se estivéssemos a fazer um puzzle, e se não olharmos para cada peça ao pormenor, podemos não conseguir completar o puzzle.
Para reforçar a sensação do surreal e insólito, Legion apostou numa estética retro modernista, com uma arquitectura que vai da inspiração em Corbusier, ao brutalismo (que eu adoro!) e a cenários assumidamente cenários. É quase 100% filmada em estúdio ou interiores naturais, mas de arquitectura insólita. Tem uma paleta de cores limitada, as figuras geométricas, como os hexágonos, os círculos, os ovos, os triângulos e os X, repetem-se, usa imagens e grafismos fortes e marcantes. Também distingue visualmente cada temporada, começando com uma estética um tanto pueril do final dos aos 60, quase toda em interiores, na primeira, passando a uns anos 60 mais psicadélicos e com mais paisagens exteriores exóticas, na segunda, culminando num psicadelismo esotérico anos 70 na terceira, onde o colorblocking foi substituído pelos padrões flower power. Também segue uma certa tendência vanguardista na TV, de ter escrita no ecrã, como complemento, muito videoclip MTV, anos 90. E depois há o gajo do cesto na cabeça, o sarcófago-ovo e as androides de bigode. Nem que seja por estas e outras tais, já vale a pena ver a série!
Tal como é visualmente forte, a banda sonora usa dramaticamente musicas indie ou alternativas, como, num dos últimos episódios, o Games Without Frontiers, de Peter Gabriel.
Voltando à historia: adorei a história da origem e adorei como é contada. Na terceira temporada há um ziguezaguear no tempo dos protagonistas, que nos conta a história da origem de Legion/David e vai juntando todas as pecinhas do grande puzzle das três temporadas, e com pouco recurso ao flashback, o que é um alívio. Cada personagem, a começar pelo David, passando pela Lenny e terminando em Farouk, não é nem preto nem branco, não há heróis nem vilões, mesmo que na primeira temporada as personagens nos sejam apresentadas assim. No fundo, nada é o que parece e o caleidoscópio acaba por mostrar-nos uma realidade nua e crua, imprevisível e enigmática, como a própria vida é, com óculos coloridos.
E não posso esquecer-me dos actores! Dan Stevens (David) já tinha agradado muito, como Cousin Matthew, em Downton Abbey, e conseguiu surpreender neste registo completamente oposto ao que o tornou famoso. David Haller não é um papel fácil e ele faz a personagem parecer natural. Aubrey Plaza (Lenny), insinuou-se ao mesmo tempo em várias séries no meu universo televisivo, também entra nas últimas temporadas de Criminal Minds, e é a minha louca psicopata preferida do momento. Ao contrário de Dan Stevens, Aubrey Plaza tem feito mais ou menos o mesmo tipo de papéis, de psicopata perigosa e instável, fico curiosa em vê-la num papel com outro registo, se bem que parece-me que é ela mesma que tem inclinação por este tipo de papéis. Os outros actores também são fundamentais para o conjunto, foram escolhidos meticulosamente, mas estes dois encheram-me as medidas.
Acho que, pela primeira vez, senti ao ver uma série ou filme de ficção científica, a mesma sensação de realidade hiperbólica que tenho ao ler livros de ficção científica. Daqui a algum tempo quero rever esta série, talvez em modo de semi maratona, e com muita atenção. Ainda há com certeza muito para ver e muitas camadas da cebola para tirar. Esta entrou facilmene para o meu panteão e é daquelas que gostava d ter um dia em DVD. A minha DVDteca é limitada e muito escolhida.
E afinal acho que acabei por ser mais coerente do que pensava!
Legion
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