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26 outubro 2012

Pensar, Professor, pensar...

Francisco Lombardi como Professor Astro/Herculano Quintanilha
Para comemorar os seus 60 anos a TV-Globo resolveu investir em dois remakes de luxo de duas novelas de sucesso: O Astro e Gabriela. Quanto a Gabriela já me pronunciei acerca da escolha no post anterior e hei-de me pronunciar eventualmente quando terminar. Só posso dizer que continuo a concordar com o que disse antes. Levei tempo a comentar O Astro pois queria que a série terminasse (tem consideravelmente menos episódios para considerar uma novela à escala da Globo) e também estava muito atarefada com o mundo real.

Janete Clair é, para mim, uma das grandes autoras de melodrama, junto com o maior ainda Douglas Sirk, mas sempre achei que o formato telenovela e a época em que foram produzidas não fazia justiça ao texto por adicionar demasiado lixo visual e fazer render o peixe. Um remake de luxo, com a condensação da história, poderia ser uma boa aposta e, para mim, n'O Astro foi um sucesso.

Lembro-me razoavelmente bem da primeira versão d'O Astro, com Francisco Cuoco no papel de Professor Herculano Quintanilha e com Tony Ramos na época em que por sabe-se lá porquê era considerado um galã... Acho Tony Ramos um bom actor e gosto particularmente de o ver a fazer comédia, mas galã? Dificilmente... No geral O Astro dos anos 70 era uma novela pirosa, cheia de maneirismos e canastões. A intriga era empolgante, as personagens, embora um pouco exageradas, convincentes, mas a qualidade da produção demasiado datada e colada a uma estética popularucha que facilmente cansa até mesmo o maior fã do kitsch. No geral, muito devido à narrativa e o bom desempenho de alguns actores, acabou sendo uma novela que levou-me a querer vê-la até ao fim, desenrolar toda a intriga, mesmo que o "mocinho", como os brasileiros dizem, não correspondesse de todo à imagem ideal do galã.

O remake tem logo um trunfo, a possibilidade de fazer uma produção mais refinada, com uma realização apurada e sofisticada que a Globo foi aprendendo e conquistando. Nesse aspecto funcionou às mil maravilhas! Os meios de produção e a estética urbano-sofisticada adoptados servem na perfeição a narrativa mega-dramática, cheia de peripécias e acontecimentos marcantes. O ruído visual da novela dos anos 70 acabava por camuflar a narrativa, definitivamente brilhante de Janete Clair. A escolha do elenco foi perfeita, colocaram muitos actores, todos eles muito bons, em personagens atípicas, como Alinne Moraes a fazer Lili, uma rapariga suburbana e pouco erudita, tipo de personagem que acho que nunca fizera antes, ou Marco Ricca, que normalmente faz personagens simples, duras ou boazinhas para o sofisticado vilão Samir Hayalla, ou ainda irem buscar Regina Duarte para fazer uma Clô Hayalla magnífica. As outras escolhas, Rodrigo Lombardi, como Herculano, num desempenho surpreendente, Carolina Ferraz, uma escolha quase óbvia para Amanda, já que Dina Sfat é tão difícil de substituir que nem a filha Bel Kutner tem coragem para lhe calçar os sapatos, Thiago Fragoso, um bom actor com o aspecto físico certo para Márcio Hayalla, suficientemente bonito para ser o galã mas com o ar frágil e sensível de Márcio e o regresso de Daniel Filho, que nos últimos anos se tem dedicado essencialmente à realização, como um excelente e assustador Salomão Hayalla.

Gostei imenso do subterfúgio usado para os encontros de Herculano com Amanda, tornando a relação deles intensa e mística, que, correndo o risco de não funcionar e ficar artificial, teve o resultado oposto e o artificialismo da "transmissão de pensamento" resultou numa empatia muito íntima entre os dois. A meio da série, talvez de forma premeditada, o efeito foi diminuído para no final voltar maior que nunca, enfatizando as fases da relação de ambos e o facto que são destinados um ao outro para todo o sempre.

Todo o lado fantástico da série, as visões de Herculano com o seu mentor Ferragus (Francisco Cuoco), os "encontros" telepáticos de Herculano e Amanda e o ocasional poder mágico de Herculano, foram tão bem doseados e integrados na intriga que me pareceram plausíveis. Gosto quando as novelas da Globo usam tão bem o "suspension of disbelief", coisa que é raro ver bem feito em televisão, muito menos em telenovelas.

A única coisa que me enervou um bocado foi a aparente dificuldade em condensar a história num formato de série. Muitas vezes parecia que acontecimentos chave se sucediam uns aos outros, que as elipses eram mal resolvidas. Um exemplo: num dia Salomão Hayalla é assassinado e aparentemente logo no dia seguinte Clô é cortejada e casa-se com Samir. Essas elipses mal resolvidas fizeram com que as intenções de algumas personagens nunca fossem muito claras, pois pareciam demasiado volúveis. Senti isso com Clô, com Amanda, com Márcio, Lili e Valéria. Também houve poucas pausas narrativas e as pausas e silêncios são extremamente importantes para o ritmo de uma narrativa.

Gostei muito de ver este Astro e gosto de pensar que Janete Clair iria gostar também. Só tive realmente pena de nunca ter ouvido a frase: "Pensar, Professor, pensar..." por Valéria, a assistente de palco do Professor Astro.

O Astro
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