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27 março 2020

Anjos & Demónios



Cruzes canhoto que não é do pastiche do Dan Brown que vou falar! Vá de retro!

Em tempos de quarentena colocam-se as série e filmes em dia. A eleita dos últimos dias foi Good Omens, baseada no livro de Neil Gaiman e Terry Pratchett.
Dos dois, o que li primeiro, e o meu preferido, é Terry Pratchett, com o seu universo mitológico um bocado herege, onde a Morte tira férias. De Neil Gaiman só li um livro, Stardust, e pedaços das suas colaborações em BD. Gosto das histórias, mas o estilo de escrita não me aquece nem me arrefece. Não foi o suficiente para querer ler mais.

Mas vamos à série: Good Omens começa por ter um elenco cinco estrelas, encabeçado por Michael Sheen, o meu querido David Tennant, a fantástica Miranda Richardson (Queenie!) e participações de muitas caras conhecidas, entre eles Mark Gatiss e Frances McDormand a fazer de Deus.
A história é uma divertida tentativa de um anjo e um demónio de manterem o seu status quo na Terra, que mantém há 6 mil anos. Em 6 mil anos é impossivel não se terem tornado amigos e cúmplices, já que não querem muito mais que o comum mortal, ter uma vidinha agradável a fazer as coisas que gostam. Para abrilhantar a história, os diálogos são bestiais, mordazes e cheios de sarcasmo. Bons para tirar citações. "Milk Bottle, deceased."

Esteticamente a série vai atrás de uma espécie de novo barroco, onde os neutros de Aziraphael (brancos e castanhos) e Crowley (pretos com um pouco de vermelho) se destacam numa Terra de cores quase primárias e com formas cheias de detalhe campestre inglês. O genérico lembra muito o de Desperate Housewives, nas cores, na animação, na música e, obviamente, na maçã vermelha do pecado.

Good Omens é uma série muito divertida, que se vê num instantinho (é curta) e que me fez dar umas boas e sonantes gargalhadas com as suas heresias um pouco pueris. O recontar de cenas bíblicas é do melhor!

Good Omens

17 março 2020

Jack e os Cybermen!

Perdão pelo semi-spoiler no título, mas, nesta altura do campeonato, é muito provável que os Whovians que andam por aí saibam que há Captain Jack e Cybermen na temporada 12.

Em plena pandemia, estou a prever um aumento de posts nos meus blogs, mas já estava a ver a última temporada de Doctor Who antes de ficar em casa, em #autoisolamento. Só espero que a/o Doctor ande por aí a tratar do assunto.

A meu ver, Chris Chibnall teve uma abordagem sensata a Doctor Who, pós o complicadinho Steven Moffat. Já me pronunciei acerca do que penso das temporadas de Moffat, acho as reviravoltas timey-wimey super cansativas e faziam-me perder a concentração algures a meio de cada episódio. Na temporada 11, Chibnall fez uma espécie de reset e manteve as histórias muito simples, preparou o terreno. Na 12, a conversa já é outra e o terreno deu frutos. Os primeiros episódios são uma espécie de versão mais complexa da temporada 11, ainda com um pouco de politicamente correcto, mas mais bem integrado no universo de Doctor Who, por não dominar os episódios. No episódio 5 aparece o Captain Jack para agitar as águas! A série finalmente arranca e passa a fluir melhor, oferecendo-nos bons momentos de terror e de ficção científica. A história dá uma bela guinada, a Doctor e a fam engatam a 4ª e o que se segue é um deleite. Ah, e não há seres humanos "especiais", só fazem o que os heróis humanos fazem: lutar para sobreviver.

Sem spoilers, de todas as reviravoltas para nos surpreender ao longo de New Who, talvez esta, uma espécie de origin story, tenha sido uma das minhas preferidas. Continuo a adorar o arco Bad Wolf, mas este foi claramente bem pensado e estruturado e é muito empolgante. Por fim, o final genial em cliffhanger e o título do próximo episódio, que inclui a palavra Dalek, prometem uma próxima temporada mais agitada que estas duas.

Aplaudo Chris Chibnall por ter pegado num molho de lã enleada e ter conseguido refazer o novelo, respeitando os cânones, mantendo Doctor Who solidamente na ficção científica! Ao 57º aniversário e à nova temporada!

Doctor Who

08 março 2020

Múltiplas Personalidades


Não é facil escrever sobre Legion e vou já avisando que este post é capaz de não ser dos mais coesos. Mas é capaz de ficar a fazer "pandan" com a série. Ou não.

Legion é capaz de ser a melhor coisa cuspida pela Marvel, fora do formato banda desenhada, desde sempre! Nem sei como uma série como esta conseguiu ser produzida e ainda por cima ter 3 temporadas!
Legion não é fácil de digerir, Legion não é banal, Legion tem uma estética diferente, Legion é uma série confusa, sem o ser. Para uma série, cujos episódios têm de ser vistos com 200% de atenção, tem um arco principal da narrativa estranhamente fácil de seguir. Cada episódio dá imensas voltinhas e acaba sempre de forma chocante e inesperada, mas mesmo assim, talvez por ser um caos organizado, por se manter fiel e coerente no seu universo surreal, acaba por tornar-se simples.
Uma das coisas que mais gostei da narrativa de Legion, é que faz o mesmo que David Cronenberg faz em Spider, posiciona-se dentro da cabeça de um esquizofrénico. Em Spider, Cronenberg não tinha o peso de uma empresa como a Marvel em cima, pôde fazer mais ou menos o que bem lhe apeteeceu. Portanto, a narrativa é desconstrutiva e não almeja a nenhum tipo de linearidade. Torna-se um objecto cinematográfico quase abstracto, mas fascinante. Em Legion, a narrativa fugiu mais para o surrealismo, o que a ancora em referências que nos são familiares e torna o processo de assimiliação mais cerebral e menos emocional. O que quero dizer é, em Spider deixamo-nos levar pela envolvência, pelo desempenho do actor protagonista, pela banda sonora, pela imagem, pela mise-en-scène, e não nos preocupamos em montar o puzzle da narrativa. Em Legion, a história é contada de forma linear, em episodios não-lineares, com uma perspectiva distorcida, mas não fragmentada. É como se vissemos a historia através de um caleidoscópio. Aliás, a imagética do caleidoscópio repete-se ao longo das três temporadas.

Cada temporada de Legion foi construída como se de um acto se tratasse. A primeira apresenta-nos as várias personagens, introduz as suas características psicológicas e, nalguns casos, as físicas e apresenta-nos o dilema do protagonista: tratar a doença mental e lidar com os super poderes de mutante. A segunda temporada leva-nos em busca do antagonista e revela-o. A terceira inclui a origin story e como o protagonista resolve o seu dilema. Portanto, bastante simples e linear. Mas a estrutura de cada temporada e de cada episódio, fazem-nos sentir como se estivéssemos a fazer um puzzle, e se não olharmos para cada peça ao pormenor, podemos não conseguir completar o puzzle.

Para reforçar a sensação do surreal e insólito, Legion apostou numa estética retro modernista, com uma arquitectura que vai da inspiração em Corbusier, ao brutalismo (que eu adoro!) e a cenários assumidamente cenários. É quase 100% filmada em estúdio ou interiores naturais, mas de arquitectura insólita. Tem uma paleta de cores limitada, as figuras geométricas, como os hexágonos, os círculos, os ovos, os triângulos e os X, repetem-se, usa imagens e grafismos fortes e marcantes. Também distingue visualmente cada temporada, começando com uma estética um tanto pueril do final dos aos 60, quase toda em interiores, na primeira, passando a uns anos 60 mais psicadélicos e com mais paisagens exteriores exóticas, na segunda, culminando num psicadelismo esotérico anos 70 na terceira, onde o colorblocking foi substituído pelos padrões flower power. Também segue uma certa tendência vanguardista na TV, de ter escrita no ecrã, como complemento, muito videoclip MTV, anos 90. E depois há o gajo do cesto na cabeça, o sarcófago-ovo e as androides de bigode. Nem que seja por estas e outras tais, já vale a pena ver a série!
Tal como é visualmente forte, a banda sonora usa dramaticamente musicas indie ou alternativas, como, num dos últimos episódios, o Games Without Frontiers, de Peter Gabriel.

Voltando à historia: adorei a história da origem e adorei como é contada. Na terceira temporada há um ziguezaguear no tempo dos protagonistas, que nos conta a história da origem de Legion/David e vai juntando todas as pecinhas do grande puzzle das três temporadas, e com pouco recurso ao flashback, o que é um alívio. Cada personagem, a começar pelo David, passando pela Lenny e terminando em Farouk, não é nem preto nem branco, não há heróis nem vilões, mesmo que na primeira temporada as personagens nos sejam apresentadas assim. No fundo, nada é o que parece e o caleidoscópio acaba por mostrar-nos uma realidade nua e crua, imprevisível e enigmática, como a própria vida é, com óculos coloridos.

E não posso esquecer-me dos actores! Dan Stevens (David) já tinha agradado muito, como Cousin Matthew, em Downton Abbey, e conseguiu surpreender neste registo completamente oposto ao que o tornou famoso. David Haller não é um papel fácil e ele faz a personagem parecer natural. Aubrey Plaza (Lenny), insinuou-se ao mesmo tempo em várias séries no meu universo televisivo, também entra nas últimas temporadas de Criminal Minds, e é a minha louca psicopata preferida do momento. Ao contrário de Dan Stevens, Aubrey Plaza tem feito mais ou menos o mesmo tipo de papéis, de psicopata perigosa e instável, fico curiosa em vê-la num papel com outro registo, se bem que parece-me que é ela mesma que tem inclinação por este tipo de papéis. Os outros actores também são fundamentais para o conjunto, foram escolhidos meticulosamente, mas estes dois encheram-me as medidas.

Acho que, pela primeira vez, senti ao ver uma série ou filme de ficção científica, a mesma sensação de realidade hiperbólica que tenho ao ler livros de ficção científica. Daqui a algum tempo quero rever esta série, talvez em modo de semi maratona, e com muita atenção. Ainda há com certeza muito para ver e muitas camadas da cebola para tirar. Esta entrou facilmene para o meu panteão e é daquelas que gostava d ter um dia em DVD. A minha DVDteca é limitada e muito escolhida.

E afinal acho que acabei por ser mais coerente do que pensava!

Legion

01 março 2020

Sereia Russa


Há uns 5 ou 6 anos, vi um GIF animado com uma sereia que me chamou a atenção. Uma busca por imagem no google disse-me que se tratava do filme checoslovaco Malá morská víla, de 1976. Como adoro uma outra adaptação checa de um conto de fadas dos anos 70, Tri orísky pro Popelku (Três Nozes Para Cinderela), que vi na RTP noutra vida, lá procurei o filme e vi-o. Rapidamente percebi que não se tratava do mesmo filme da foto, voltei a fazer uma busca pelas internetes, e nada.

Fast-forward para há uns meses. Comecei a seguir recentemente no instagram o Lorde Velho, um blog sobre cinema fantástico, de terror e coisas exóticas, onde aparece um cartaz parecido com o GIF que tinha visto. Imediatamente perguntei o título do filme, trocámos uns comentários acerca do filme, que é Rusalochka, também de 1976, mas desta vez russo.

Entretanto vi o filme. Apesar daquela imagem que vi há uns anos não me parecer à partida familiar, tenho quase a certeza que vi este filme quando era miúda. A estética e os desvios da narrativa de Anderson, são-me muito familiares. Talvez a imagem da sereia não me tenha despertado memórias, pois com certeza vi o filme a preto e branco, e se foi na minha TV de infância, num ecrã muito pequenino, portanto, nunca poderia saber que o cabelo da sereia é um branco azulado, que se torna loiro quando ela passa a ter pernas. Aliás, apesar das caudas de sereia muito manhosas, mesmo para a época e para um país de Leste, as perucas são de uma qualidade rara, parecem cabelo genuíno. Não ficaria muito admirada se constatasse que são de cabelo verdadeiro.

Quanto mais vejo imagens do filme, mais tenho a certeza de o ter visto. É curioso como a memória funciona, a memória do acto de ver o filme varreu-se completamente, no entanto foi determinante a definir na minha cabeça a minha "estética perfeita" da Pequena Sereia. Tudo parece encaixar na perfeição. Analisando pelas datas, faz sentido. Depois do 25 de Abril, houve um boom de produtos televisivos de Leste, provavelmente por influência de Vasco Granja, comunista e sempre atento às cinematografias de Leste.

O filme é giro, menos fantasista ou teatral que o checo, mas com uma produção curiosa, uma escolha de figurinos deveras interessante e uma realização curiosa. A maquilhagem é o que denuncia o período em que o filme foi produzido, e se não o fizesse, a música trata do assunto. O filme é obviamente datado, mas eu gosto desse estilo um bocado kitsch de leste, talvez por que cresci com ele? Chamemos-lhe retro, já que se passaram mais de 40 anos. Também gosto das liberdades criativas, que o tornam único. Será que alguém mais velho que eu pode confirmar se o filme realmente passou cá na TV, ou se não é a minha memória armada em parva.
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