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24 janeiro 2013

Gabriela é... ♪

Gabriela, o remake, lá terminou na SIC e infelizmente tudo o que temia confirmou-se. Há cerca de 1 mês, tal era a minha irritação com a "inspiração" de Gabriela, que pedi o livro emprestado à biblioteca e o li. Há motivos melhores para ler um livro, principalmente tratando-se de um livro e escritor tão importantes, mas finalmente li Gabriela, Cravo e Canela.

A equipa da Globo foi muito esperta, no genérico não escreveu "adaptado de" mas "inspirado em". Isso descartou-os de toda e qualquer obrigação a uma fidelidade para com o livro e deu-lhes carta branca para fazerem o que lhes apetecesse. Infelizmente no caso de Gabriela o resultado foi medíocre, comparando primeiro com o livro e depois também com a novela dos anos 70. Mas vamos por partes.

O elenco. Infelizmente o elenco não foi dos mais felizes apesar de contar com nomes de peso nos actores televisivos brasileiros. Os únicos, mesmo os unicos que achei bem escolhidos e que tiveram um bom desempenho foram Juliana Paes, como Gabriela e Matheus Solano, como Mundinho Falcão [ai Matheus, se te apanhasse à minha frente...]. Habitualmente gosto de Humberto Martins, mas ele é demasiado bronco para fazer de Nacib, o Nacib dele aborreceu-me e achei-o uma personagem desinteressante (ao contrário do livro e da 1ª novela). Armando Bógus, volta que estás perdoado! Armando Bógus, o Nacib dos anos 70, para além de corresponder melhor à descrição do livro, era um actor com "A" grande. Já António Fagundes é demasiado novo para fazer de Coronel Ramiro Bastos (com 80 anos no livro) e, pior, tentou emular Paulo Gracindo, ficando a léguas do Coronel original. Paulo Gracindo metia medo, Fagundes foi ridículo. O Tonico Bastos de Marcelo Serrado não chegou nem por sombras aos calcanhares de Fúlvio Stefanini. Todos os maneirismos que em Stefanini eram curiosos e engraçados ("manequim de porta de loja"), no exagero de Marcelo Serrado, provavelmente a querer desligar-se de Crô de Fina Estampa, tornou Tonico num palhaço. Outro palhaço foi o Professor Josué (de Anderson di Rizzi), ao contrário do tímido e desengonçado de Marco Nanini. Muito diferente do livro e da versão dos anos 70, Malvina (a minha personagem preferida por tudo o que ela representa) é uma rapariga brejeira e respondona e não uma rapariga sensível, inteligente, intelectual, ingénua e revoltada. Ao colocarem Vanessa Giácomo, já de si muito brejeira, a fazer a personagem estragaram tudo. A única que está mais próxima do livro é Jerusa, apesar de no livro ela ser menos mosquinha-morta e um pouco mais pespineta. E nem vou falar de Zarolha, tenho IMENSAS saudades da maravilhosa Dina Sfat.

A história. A novela dos anos 70 é uma adaptação bastante fiel ao livro de Jorge Amado, onde, por questões de formato e linguagem aglutinaram-se relações, eventos e mudou-se um pouco a cronologia. O livro é conduzido pelas personagens, como tal não é inteiramente linear, mas a adaptação dos anos 70 agarrou na história e contou-a de forma cronológica e linear, separando cada grande evento por um ou mais episódios. Uma das coisas que adorei quando revi a Gabriela dos anos 70 foi a economia narrativa. É um facto que quando se adapta um livro a cinema ou televisão normalmente é necessário cortar ou aglutinar partes, a Gabriela dos anos 70 cortou pouco e aglutinou um pouco, mas não houve necessidade de introduzir coisas ou personagens que não figuram no livro. Deu, sim, mais destaque a Maria Machadão, juntou a sua casa ao Bataclã, dois estabelecimentos separados no livro, tornou Jerusa amiga de Malvina, o que deu muito jeito na exposição das duas personagens, e deu algum destaque a histórias menores para dar densidade a personagens de Ilhéus. O peso da política e das relações amorosas é, tal como no livro, semelhante e equilibrado e, desta forma, conta-nos parte da história moderna do Brasil e da Bahia.

O rigor histórico. Normalmente aqui a Globo acerta, mas em Gabriela é pior que nos filmes medievais de Hollywood dos anos 30 e 40! Que desapontamento... Cloches do tamanho errado, no alto do cocoruto das senhoras, rendas de poliéster, sapatos de salto de 10 cm, vestidos de noiva actuais, decotes demasiado reveladores, tapa-sexo nos fatos das meninas do Bataclã e nudez constante. Quando a nudez é em demasia, demasiado óbvia e constante, torna-se aborrecida e deixa de cumprir a sua função de chocar (as personagens e o público) e de excitar.

A nova Gabriela é mais uma (má) adaptação da Gabriela dos anos 70 onde tiraram quase todo o contexto político e esmeraram-se em mostrar maminhas. Meus amigos, erotismo não é pornografia e infelizmente esta nova Gabriela está mais para pornográfica que para erótica. Não sei porquê, inventaram personagens e linhas narrativas onde não havia necessidade, algumas até descaracterizaram personagens e cortaram pedaços da narrativa que talvez tivessem tido maior relevância e dessem bem para fazer render o peixe, pois não encontro outra explicação para todas estas histórias novas. Esticaram, esticaram pelo meio e depois o final foi demasiado apressado. Muitas das personagens que metiam medo na primeira versão, Coronel Ramiro Bastos, Maria Machadão, Coronel Jesuíno e Coronel Melk, por exemplo, foram reduzidas a figuras ridículas e ridicularizadas, tirando a densidade dramática necessária aos vilões e, portanto, interesse. Trataram quase todas as personagens pelo lado de comédia, sem o realmente fazerem a sério do princípio ao fim, caíndo num lado pitoresco apalhaçado, com o uso exagerado de sotaques, expressões idiomáticas e maneirismos, que infelizmente tem sido cada vez mais presente nas novelas da Globo.

Eu bem disse que Gabriela não deveria ter tido um remake, se há novelas e histórias que ganham com isso, com os novos meios de produção (Ti-ti-ti ou O Astro), há outras, como Gabriela, que para além de imaculadas dependem muito de quem as fez e da época em que foram feitas. É uma pena, se tivessem tido mais cuidado com o elenco, feito uma série mais curta em vez de uma novela, cortado muita da palha e não ficado agarrados a um sucesso de há quase 40 anos, Gabriela poderia ter sido uma nova Gabriela, com conteúdo, emoções e qualidade. Tenho a certeza que daqui a 10-20 anos, quem tiver visto ambas as Gabrielas, vai lembrar-se é da primeira.

Gabriela
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