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30 dezembro 2019

O Trio Novelesco

Eu vejo novelas da Globo, já o disse aqui. Tenho mais pendor para as chamadas "novelas da tarde", para as comédias desbragadas, ou as mais solares, com surfistas e muitos miúdos. Nestas décadas quase ininterruptas de novelas, há um trio que provavelmente eu veria em loop, mas que nunca foram repostas, até Novembro de 2019!

O meu Top 3 de novelas é, por ordem cronológica, Vereda Tropical, Brega & Chique e Quatro Por Quatro. A novela que quebrou a maldição foi a última, Quatro Por Quatro, que começou há poucas semanas a dar na Globo, num sistema de votação público pelas internetes. Mas vamos por partes, como diz o homem do talho.

Vereda Tropical
Foi uma novela alegre, onde os actores principais eram favoritos meus: Lucélia Santos, a Escrava Isaura, altamente subvalorizada por causa de ter sido rotulada muito cedo, Jonas Torres, o eterno Bacana da Armação Ilimitada, hoje com idade para ser pai de adultos, e Mário Gomes, o galã trapalhão, que nunca teve o destaque que merecia, excepto talvez em Vereda Tropical.
Começando pelo genérico, no melhor estilo gráfico tropical anos 80, com palmeiras, néons, surfistas, cocktails, é daquelas novelas essencialmente de comédia, cuja narrativa  principal é um verdadeiro drama, e os vilões parecem vilões de desenhos animados, exagerados e frustrados. Aqui as histórias individuais, da mãe do órfão que procura uma vida de paz, da mamma italiana que mantém sempre o rol de filhos sob escrutínio, do futebol, da empresa rica e megalómana a ambicionar o lucro, prejudicando os mais fracos e a clássica história do underdog que vinga, graças a muita criatividade, amizade e, claro, amor.
Não sendo propriamente uma história marcante, o que fez esta novela foi uma bela conjugação da leveza de um argumento que não se leva demasiado a sério, um elenco feliz e uma produção muito colorida e criativa.

Vereda Tropical [Wiki]

Brega & Chique
Novamente uma novela de comédia, cujo drama principal é o de um empresário poderoso, que mantinha duas famílias (uma pobre e outra rica) que finge a própria morte e deixa a herança à família não oficial, a pobre. Por coincidência telenovelesca, a famíilia rica muda-se para o bairro da família pobre e ambas as "viúvas" tornam-se amigas.
Como se não bastasse o potencial de comédia ser alto nestas circunstâncias, a presença de um elenco de luxo, encabeçado pela divina Marília Pêra, que fez demasiado poucas novelas e nenhuma personagem tão brilhante como a sua Rafaela Alvaray, levaram o humor aos píncaros. Ao longo da novela, Marília Pêra faz três monólogos, um no ínício, quando sabe que ficou pobre, um a meio, quando as coisas estão mais ou menos encarriladas, mas os segredos começam a vir à tona, e no fim, quando finalmente ela encontra a sua independência emocional e se vinga do "falecido", que valem a novela inteira!
As intrigas secundárias, as marmitas, as lentes de contacto verdes e o vison, a alfabetização do filho do marceneiro, os diversos romances entre filhos, a vida do bairro popular, enriquecem mais ainda uma novela muitíssimo divertida.

Brega & Chique [Wiki]

Quatro Por Quatro
Comédia. Quatro mulheres de idades e meios diferentes, envolvem-se num acidente de carro no dia em que se separam dos respectivos maridos, noivos, namorados. Vão presas e decidem vingar-se dos respectivos. A diversidade das quatro, Bibi, a dondoca intelectual, Auxiliadora, a dona de casa dedicada, Tatiana, a secretária ingénua e Babalu, a cabeleireira-manicure pespineta, apimenta toda a novela e dá pano para mangas às cenas de comédia.
Novamente é um elenco de luxo, muito habituado a fazer este tipo de comédia, muitíssimo bem escolhido, que faz a novela. Gostei tanto da dona de casa rica, que não sabe o caminho para a própria cozinha, Abigail Rossini, Bibi para os amigos, interpretada pela maravilhosa Bete Lago, ela e Letícia Spiller, a Babalu, revelações nesta novela, o texto maravilhoso, diálogos hilariantes, frases memoráveis e a interacção dos casais, são do melhor que a Globo alguma vez fez.
"Minha mãe era devota, queria Lourdes, meu pai era fã de uma tal que aparecia no cinema de bota prateada. Ficou Barbarella Lourdes." ~ Babalu

Este jogo com os nomes caracterizadores das protagonistas, Abigail/Bibi, Auxiliadora, Tatiana e Barbarella/Babalu, demonstra a inteligência da escrita, onde as situações exageradas e caricatas se repetem.

Quatro Por Quatro [Wiki]

Este trio de novelas tem algumas pessoas em comum: Jorge Fernando, actor e realizador, recentemente falecido, que foi responsável pela direcção grande maioria deste tipo de novela, comédias alegres, com um lado lúdico forte, tal como Vereda Tropical e Brega & Chique. Outro é Guel Arraes, um dos criadores da já mencionada Armação Ilimitada, é um nome que se repete nas novelas que em geral gosto de ver, foi o criador de Vereda Tropical.

É um prazer rever Quatro Por Quatro, a novela que deu nome à minha primeira gata, Abigail Rossini, Bibi para os amigos (mas que sempre soube bem onde era a nossa cozinha), que não envelheceu nada, apesar de me tirar de vez em quando a exclamação: "tão novinho/a!"

02 novembro 2019

Peculiaridades

Eu, aquela pessoa que delirou com o Beetlejuice, no cinema Mundial, provavelmente a uma segunda-feira ao início da tarde, com mais 3 ou 4 pessoas na sala, e que depois seguiu fervorosamente a carreira de Tim Burton, adorando Batman Returns, chorando com Edward Scissorhands, deliciando-se com os Pee Wee Hermans, tripando com Ed Wood, chorando a rir com Mars Attacks (kak, kak, kak!), a dada altura cansei-me. Cansei-me com os excessos, com a auto-citação, com um certo narcisismo que parecia querer mais agradar às massas, que ser subversivo.

Big Fish foi oficialmente o último filme de Tim Burton que gostei, mas não me encheu tanto as medidas como filmes anteriores. Parecia que Tim Burton ia por um bom caminho, de um certo amadurecimento, mas o estilo excessivo e barroco do filme, parecia querer esconder uma exposição sincera que queria despontar. Mas depois Tim Burton vendeu-se à Disney. Ainda vi o primeiro Alice no cinema, mas detestei. O filme é visualmene deslumbrante, mas, mesmo sendo eu uma pessoa que primeiro olha para o aspecto visual de um filme, o filme tem de ser equilibrado para encher-me as medidas. Ainda por cima o Alice contribuiu para ima ideia completamente ao lado de uma Alice Liddel gótica, romântica, justiceira, nada surreal, subversiva ou mimada, as características que me fizeram adorar os livros e a versão psicadélica animada da mesma Disney. Ainda vi o Dark Shadows na TV, mas, apesar de reconhecer o esforço em abraçar o lado camp, que outrora foi o forte de Burton, a tentativa saiu forçada, mesmo tendo pontualmente alguns vislumbres do camp de Beetleejuice e Mars Attacks, sem o humor delirante. Fiz greve aos filmes de Tim Burton, já não queria dar-lhe o meu dinheirinho suado.

Mas ontem arrependi-me. Vi na SIC, na categoria "filme da ressaca de sábado à tarde" (que por acaso foi a uma sexta-feira, feriado e sem ressaca), o filme Miss Peregrine's Home for Peculiar Children e fui presenteada com um argumento sólido, bonito, personagens cativantes e intrigantes, uma intriga bem construída e empolgante e, o melhor de tudo, um dos meus elementos preferidos na ficção, viagens no tempo. A estética, com alguns laivos góticos burtonescos, é comedida e dá relevo à narrativa, em vez de se sobrepor. O elenco impecavelmente escolhido, encabeçado pela maravilhosa Eva Green, compõe o resto do ramalhete e o resultado foi um filme, pós Big Fish, de Tim Burton que tenho pena não ter visto num cinema.

Apesar de ter havido grande promoção do filme na época da sua estreia, foi daqueles que rapidamente caiu no esquecimento mais popular, contudo, é um filme muito superior ao sempre popular Alice. Definitivamente gosto muito mais do Tim Burton subversivo, mais íntimo e menos popular que do Tim Burton vedeta gótica das massas disneylândicas. À primeira oportunidade de ver este filme em sala, vou aproveitar!

Miss Peregrine's Home for Peculiar Children

19 outubro 2019

Por Favor, Alimentem os Tradutores!

Por favor, alguém dê comida a sério aos tradutores do Masterchef Australia! E, já agora, ensine-lhes que tumeric não é açafrão, que a designação correcta para nitrogen é azoto, que lemon grass é erva príncipe e muito mais.

Entre estes erros bastante comuns, palavras abrasileiradas e etc. o pior mesmo é que inventam nomes às coisas. Muitas vezes, quando não encontram equivalente em português, ou não procuram, em vez de deixar a palavra em inglês, não, têm de inventar e aportuguesam a coisa.

Quem traduz os Masterchef Australia e os programas de culinária em geral - lembro-me da risota que eram as traduções de Martha Stuart - pouco percebe de alimentos e técnicas de cozinha, mas o pior é não haver a preocupação em investigar, em consultar um dicionário, um glossário, usar vocabulário actualizado.

Pensando bem, não sirvam comida a sério aos tradutores do Masterchef Australia, eles não merecem.

Masterchef Australia

26 setembro 2019

Alguém Precisa Ver Uns Filmes de Kurosawa


Mais uma madrugada, mais um filme. Desta vez foi o 47 Ronin, em parte por causa do Keanu Reeves, em parte por ser uma adaptação do Chuushingura, uma história de vingança, baseada em acontecimentos históricos no Japão do séc. XVIII.

A história é boa, mesmo tendo a versão americana introduzido alguns elementos de romance e sobrenatural um bocado desnecessários, mas assim não teríamos Keanu Reeves. Espantosamente, o elenco principal é todo constituído por actores japoneses, alguns conhecidos no Ocidente, como a Rinko Kikuchi e o Tadanobu Asano (baba~). Onde o filme se espalha ao comprido é na direcção de fotografia e no design de produção. Mas vamos por partes.

DIRECÇÃO DE FOTOGRAFIA
A fotografia neste filme é uma espécie de versão foleira, em tons de sépia, da fotografia de filmes de fantasia, estilo Lord of the Rings. Também inclui muita poeira, nevoeiro e cenas ao lusco-fusco, o clichè completo. Bom para disfarçar coisas que correram mal.

DESIGN DE PRODUÇÃO
Aqui começa a salganhada. A arquitectura dos espaços é mais japonesa, mas não conseguiram resistir a enfiar espaços cenários que podiam ser uma reciclagem do The Last Emperor e afins. As cenas na floresta pareciam directamente tiradas de Mononoke Hime e as sequências de luta lembram as de Crouching Tiger, Hidden Dragon e seus parentes. Deram-lhe coerência através da patine sépia e uma realização e operação de câmara de filme de acção.

MAQUILHAGEM E CABELOS
Nem nos homens, nem nas mulheres acertaram nos cabelos, por falta de documentação não foi! Os cabelos das mulheres são uma fantasia achinesada, onde de vez em quando surge alguma inspiração vaga dos nihongami (cabelos à japonesa) clássicos.
Nos homens, nenhum tem o corte de cabelo obrigatório dos samurais, que basicamente tem duas versões: a do cabelo rapado em cima, o chonmage, ou a versão mais casual, que em grande parte desta narrativa faz sentido, onde o topo do cabelo não é rapado e o cabelo não leva os óleos para o domar e tornar brilhante, mas mantém o carrapito. A peruca de Tadanobu Asano é má! Quase nem o reconhecia! Em muitos filmes de samurais japoneses mais recentes, optou-se por esta segunda versão para os galãs, pois mesmo aos olhos japoneses de hoje, é mais apelativo. Não gosto de ver a barba no Keanu Reeves neste contexto, já que era raro na classe dos samurais.
A maquilhagem nos homens é genérica, mas são raros os homens com as patilhas mais longas, como se usava na época.
A das mulheres é terrível! Demasiado ocidental e moderna, cheia de olhos esfumados e batons "nude", uma aberração! Não estava à espera de ver mulheres de lábios azuis ou verdes, ou de dentes pretos, como era moda, nem realmente maquilhadas como Gueixas, mas uma maquilhagem de Gueixa ou mesmo de Maiko seria mais aceitável, e mais bonita, que a usada no filme. Para além disso, a maquilhagem usada envelhece demais as actrizes, que perdem aquele ar fofinho que as japonesas costumam ter, mesmo as mulheres mais maduras, por causa da maquilhagem de boneca.

GUARDA ROUPA
Ui! É tão mau quem nem sequer irrita! Nos homens mantiveram algumas peças com o feitio correcto, Oishi usa umas hakama vermelhas, cor usada mais por mulheres, mas com o feitio correcto, que foram uma opção interessante no meio da amálgama ocidentalizada - muitas calças. Apesar de ser abaixo do estatuto dos samurais, que usavam tecidos mais nobres e cores mais variadas, tinham dinheiro para tal, gostei de surgirem muitas peças em aizome no meio dos castanhos-lama, que fazem o guarda roupa masculino. Não percebi o kataginu achinesado, ou tailandesado, de Kira, tinha um ar super piroso, até brilhos tinha! Deve ter sido reciclado dos Power Rangers, hahaha! Podem ver aqui como eles deveriam estar vestidos nas cenas de batalha.
Nas (duas) mulheres ainda é pior. Começo pelos vestidos, que não se pode chamar àquilo kimono, que vão de uns robes compridos a umas fatiotas de inspiração oriental, com direito a laços-almofadinha, que parecem saídas de um desfile de moda qualquer, só que com todo o catálogo de tecidos pirosos para levar a um casamento nos anos 80! Até tafetá changeant bordado à máquina foi usado :'D Tenho pena que num filme onde as mulheres foram enfiadas quase à força na história, não tenham aproveitado a oportunidade de introduzir pelo menos uma delas como onna bugeisha, já que eram completamente badass e tinham um visual fabuloso.

Estranhamente, na última cena, a cena do seppuku, o filme redime-se de toda a lama e lodo, e apresenta-nos uma cena que podia ter sido tirada de Gohatto, de Nagisa Oshima (onde Tadanobu Asano também entra - baba~). Tudo muito branco, com uma estética bem mais japonesa e onde os homens estão com o traje correcto (até kataginus verdadeiros) e as mulheres de kimono, se bem que mais parecem kimonos modernos da cerimónia do chá, em cores pastel e com padrões discretos. Mas como são kimonos, eu perdoo a falta de noção do estilo.

Enfim, não foi totalmente tempo perdido, afinal a história não é má e temos Keanu Reeves e Tadanobu Asano, mas para ver um belíssimo flme com samurais jovens e giros que se farta, mais vale rever o acima mencionado Gohatto, onde ainda vem de brinde Ryuuhei Matsuda (baba~).

47 Ronin



18 setembro 2019

Relógios de Lua

 
Há pouco tempo fiz um repto num grupo do facebook acerca de uma série juvenil que vi nos anos 90 e cujo título já não me lembrava. O resultado foi curioso, encontrei a série que procurava, Moondial, mas também descobri que existe uma outra série com uma história quase igual, mas onde o protagonista é um rapaz em vez de uma rapariga e "do outro lado" está uma rapariga em vez de um rapaz. A outra série chama-se Tom's Midnight Garden. Vi ambas no YouTube.


Depois de uma pequena pesquisa na Wikipedia, descobri que ambas as séries são adaptadas de dois livros diferentes, de autoras diferentes. Moondial foi escrito por Helen Cresswell, em 1987 (a série é de 1988) e Tom's Midnight Garden foi escrito por Pilippa Pearce, em 1958. Acho que já estabelecemos quem veio primeiro. Tom's Midnight Garden tem várias adaptações, a que vi foi a de 1989, portanto contemporânea de Moondial, e ambas foram produzidas pela BBC, o que torna tudo ainda mais curioso.

Ambas as histórias falam de um adolescente, ou pré-adolescente, que vai viver temporariamente para casa de parentes, devido a problemas familiares. Minty, de Moondial, devido a mudanças na vida da mãe, que depois tem um acidente de carro e vai para o hospital; Tom porque o irmão mais novo está doente com varicela ou uma doença parecida. Tanto a mãe de Minty, como o irmão de Tom, servem como interlocutores para os relatos das histórias "do outro lado". Minty vai viver ao lado de uma mansão misteriosa, meio museu, Tom muda-se para a própria mansão, mas sem o previsível jardim ao seu redor. À noite, ambos são atraídos para relógios, que os transportam para outras épocas. Minty fá-lo através de um relógio de Sol/Lua, no jardim da mansão, Tom de um relógio de pé, depois do bater da meia-noite. Em ambos os casos o tempo corre de modo diferente no outro tempo e ambos interagem com crianças da mesma idade e são confrontados com as grandes disparidades sociais e o modo como os miúdos do passado não têm uma liberdade que Minty e Tom reclamavam não ter no seu próprio tempo.
Aqui as histórias divergem. Minty tem a missão de ajudar dois "fantasmas", Tom, um ajudante de cozinha no século 19 e Sarah, uma rapariga do século 18 e tudo se passa num período relativamente curto nas três épocas. O Tom do jardim, tem por missão ajudar uma rapariga chamada Hatty, que de início tem a idade dele, mas como Tom regressa sempre em tempos diferentes, ela vai crescendo. Outra grande diferença é que em Moondial existe um vilão mais ou menos sobrenatural.

Fiquei curiosa até que ponto este "plágio" é conhecido ou foi resolvido, mas como ambas as séries são relativamente obscuras, não encontrei nenhuma referência a isso.

No geral gostei das duas séries, o tom é muito semelhante, com a diferença que Midnight destaca mais o lado sobrenatural, a começar no genérico, e a acção moderna é contemporânea, enquanto que Tom se passa nos anos 50 ou 60. Apesar de tudo, Moondial enche-me mais as medidas e acho-a um bocadinho mais bem produzida, com um esforço adicional nos efeitos especiais. Adorei rever Moondial, era tão interessante quanto me lembrava, apesar de ter envelhecido um pouco, ainda se vê muito bem. As duas são histórias de crescimento, provocadas por um incidente insólito, de onde os protagonistas saem mais maduros e menos revoltados.

Uma das razões porque adoro literatura de ficção científica ou fantástico, é justamente essa capacidade de "esconder" lições de vida, crítica social ou questões filosóficas, por trás da máscara do diferente. Tantas vezes os romances realistas ou naturalistas, não o fazem tão bem.

Tom's Midnight Garden
Moondial

18 agosto 2019

Filmes da Madrugada

À noite, antes de ir dormir, tenho tentado ver filmes. Como agora não vejo TV em directo, e se não vejo o anúncio a algum filme que queira ver, seja nos intervalos de séries que esteja a ver ou pelas redes sociais, o meu método de busca é o mais simples de todos: na box, através das listas de filmes a dar "agora", "antes", "ontem", "nos dias anteriores". Na maioria das vezes acabo a rever algum filme que corresponda ao apetite do momento, ou um filme qualquer da treta, em geral uma comédia romântica sem grande intriga, para ajudar-me a adormecer. Mas pelo meio tenho visto alguns filmes que não tive oportunidade de ver em sala ou apanho algumas surpresas. Gravados, para rever com atenção, tenho: A Clockwork Orange, Kaze Tachinu, Tonari no Totoro, Christine, Shining, Les vacances de M. Hulot, três James Bond com Roger Moore, incluindo o meu primeiro Bond: The Spy Who Loved Me e Playtime. O canal que mais me surpreendeu até agora foi a SIC Caras, onde em geral só tenho visto cerimónias de entrega de prémios ou um ou outro biopic, mas onde acabei por ver dois filmes que adorei.

Hidden Figures, deu na SIC Caras, que acabei por não ver em sala, é melhor do que pensava. Estava sempre a lembrar-me do épico The Right Stuff, pois é um outro lado da mesma história, é o lado das mulheres negras programadoras que literalmente fizeram a diferença na NASA.
O elenco principal é forte e muito bem escolhido, isso, aliado a uma narrativa interessante e baseada em factos reais, faz do filme um bom filme. Para além do trio principal, com as maravilhosamente impecáveis (e implacáveis?) Taraji P. Henson, Octavia Spencer e Janelle Monáe, gostei imenso do Kevin Costner, que em geral detesto, num papel muito comedido e onde justifica muito do hype à volta dele nos anos 90, de uma Kirsten Dunst amarga e que está longe de ofuscar as protagonistas e de um Jim Parsons, num papel que tinha tudo para ser uma reprise do Sheldon Cooper, mas que é o oposto, de um físico que não quer admitir que há alguém melhor que ele, ainda por cima mulher e, como se não bastasse, negra.
Como disse, o trio principal é forte e o desempenho impecável, as actrizes fizeram o que tinham a fazer: estavam ali três excelentes personagens e agarraram-nas com unhas e dentes. Mas gostei de ver estes três actores brancos, habituados a estar na ribalta e a ser protagonistas, com personagens o oposto do costume e onde conseguem brilhar ao deixar brilhar as protagonistas.
Hidden Figures

Outra surpresa na SIC Caras foi o filme Inkheart. Foi a sinopse que me chamou, acabou por ser uma belíssima surpresa. O elenco é conhecido, Brendan Fraser, Andy Serkis, Helen Mirren, mas o filme nem por isso. Creio que foi pouco promovido, mas é um filme delicioso.
Trata de uma história fantástica que tráz personagens de livros ao mundo real e de certa forma lembrou-me a História Interminável (o livro), mas as semelhanças acabam aqui. Não quero fazer spoilers, não vou contar a história, mas espanta-me que este filme tenha sido ignorado, numa época em que o género fantástico é tão popular. É uma história empolgante, muito original, um filme bem feito, bonito, tem bons desempenhos do elenco principal e até tem animais fofinhos: um furão e um terrier (Toto). Gostei muito da permissa à volta da escrita e da leitura, da família nómada por via das circunstâncias em paisagens lindas, sobretudo do norte de Itália. Gostei mesmo muito!
Inkheart

O terceiro filme surpreendentemente bom que vi numa destas madrugadas foi Dare to be Wild, já não me lembro qual canal, que retrata a história verdadeira de uma designer de jardins visionária irlandesa que consegue vencer um concurso chiquérrimo de jardins em Londres.
É mais uma história do underdog sem dinheiro a tentar vencer num mundo que não é o dele e que tem demasiadas regras cujo objectivo é manter esses underdogs longe desse mundo elitista.
O filme vale a pena pois é lindíssimo, tal como os jardins, a história é menos linear e mais empolgante do que parece e adorei ver um filme sobre um tema diferente.
Dare to be Wild

Apesar da ausência de filmes clássicos, onde a RTP Memória é a nossa única salvação, pois tenho tido vontade de rever musicais, como An American in Paris. Mas tenho visto alguma coisa no computador, apesar do tamanho do ecrã me atrofiar. O último filme que vi foi Daddy-Long-Legs, com Mary Pickford, que é uma muito melhor adaptação do livro de Jean Webster que o filme com Fred Astaire e Leslie Caron, percebi que foi inspiração directa para o anime dos anos 90!

22 julho 2019

Portais Estrelares - Parte II

Já fechei o círculo, já vi Stargate SG-1 inteira, mas ainda vou rever a 10ª temporada até ao fim, apenas para a ver em linearidade. Mas já posso fazer o meu comentário final.

Gostei bastante de rever a temporada do Parker Lewis, isto é, Corin Nemec, e apesar de achar a introdução da sua personagem, Jonah Quinn, bastante forçada, acabou por trazer alguns elementos para a narrativa, que foram desenvolvidos depois. Também forçado foi o retiro de Daniel Jackson, que volta e meia reaparecia, fosse em memórias, alucinações ou o próprio, sempre quando era mais conveniente. Prefero Corin Nemec como actor, apesar de ter melhorado ao longo da série, continuo a não achar o Michael Shanks grande coisa. Estas mudanças são os primeiros sinais do cansaço que se começava a notar em Stargate SG-1.

A mudança de arco, o retiro quase permanente de Jack O'Neill e do General Hammond, tornaram SG-1 numa versão algo previsível do que fora antes. Os Goa'uld, antes tão temíveis, não são realmente vencidos, tornam-se numa espécie de rivais caricatos dos Tau'ri, ora aliados, ora inimigos, mas nunca mais os inimigos de outrora. Sou só eu que achei o fim de Anubis anticlimático? Os Ori são deveras irritantes, a atitude quase sobranceira da equipa SG-1, que nos dá muito cedo a sensação que "OK, são poderosos, mas nós havemos de vencê-los", faz com que não haja sentido de urgência e que os episódios passem a ser vistos um bocado em piloto automático. Os episódios também se tornaram menos ricos em temática científica e variedade, seguem a fórmula do, "vão a planeta, encontram inimigo, resolvem problema, voltam para a Terra com mais algum dado para vencer os Ori." Apenas vão alternando entre Goa'uld e Ori, entre viajar através do Stargate ou de uma das naves que agora possuem, e perdeu-se aquela sensação de um David engenhoso contra um Golias sedento de poder. A introdução de alguma mitologia cristã, através da lenda do Rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda, parece feita à pressa e esquivando-se o mais possível a comprometer os valores e crenças presbiterianos, a norma nos Estados Unidos. O agnosticismo, quase ateísmo, dos arcos narrativos anteriores perdeu-se e não conseguiram criar um enredo suficientemente inteligente. Será que os argumentistas principais mudaram? As mudanças, sobretudo de estilo, são imensas.

Stargate SG-1 aguentou razoavelmente bem as últimas temporadas, em parte graças ao outro inimigo, os Replicators, esses sim temíveis por serem impiedosos e com objectivos simples que desafiaram o intelecto dos protagonistas. Mas a corda foi sendo esticada, felizmente a série terminou antes dela quebrar. Ainda é uma das "minhas" séries de ficção-científica, a mistura de história e arqueologia com física e astronomia foi uma ideia genial, mas devia ter terminado mais cedo.

Só me falta a série Stargate Universe para terminar as Stargates todas, mas essa aparentemente não vai passar tão cedo no SyFy ou outro canal de cabo. É pena.

Stargate Command

01 julho 2019

O Kino-Pop e o Canal 180

Já tinha reparado naquele canal com um logótipo enigmático, na posição 180, mas por analogia ao antigo canal 18, apenas disponível a partir de certas horas, nunca pensei que fosse tão bom. Se não fosse os Arquivos Kino-Pop, de Edgar Pêra, irem passar nesse canal, nunca teria sequer tentado ver alguma coisa nele. Ainda só estou a começar a explorar, mas parece mesmo muito bom!

Tenho estado a adorar os Arquivos Kino-Pop, admito que com uma certa dose de nostalgia, pois eu estava lá, acompanhei directa ou indirectamente a maioria dos músicos ou bandas filmados, acho que só mesmo o Rão Kyao e os Delfins é que nunca vi ao vivo. E depois há muita coisa filmada na Catedral, o mítico Rock Rendez-Vous, onde quase toda a música moderna portuguesa e não só passava ao vivo durante os anos 80.

Conheço bem a filmografia do Edgar Pêra, conheço-lhe o estilo iconclasta há muitos anos. Não gostei à primeira, mas crescer é bom e deu-me olhos para apreciar o trabalho dele, que actualmente sigo com atenção e gosto muito. O seu estilo é perfeito para o formato desta série de pequenos registos documentais de vários músicos da praça, muitos deles fundamentais para a história da música pop-rock e experimental portuguesa. Mas os episódios que mais gostei foi onde se notou cumplicidade, como o de Manuel João Vieira, ou onde a música é mais experimental, como Nuno Rebelo, Vítor Rua, Rui Pregal da Cunha ou mesmo Farinha Master. O rock, Edgar filma com algum distanciamento e de forma mais convencional. Parece que algo não encaixa totalmente.
Penso que é muito engraçado acompanhar uma pequena fatia das vidas daqueles músicos, mesmo quem nunca os tenha visto ao vivo, apreciará, sobretudo porque ao contrário de documentários mais convencionais, nos Arquivos Kino-Pop ouve-se muita música!

Sábado passado, dia 29, houve uma maratona de todos os 13 episódios dos Arquivos Kino-Pop, aproveitem para ver e gravar.

Canal 180
Arquivos Kino-Pop (Facebook)

27 junho 2019

Jogo de Cadeiras

Antes de começar este post acerca de Game of Thrones, tenho de declarar que não gosto da narrativa, via a série sobretudo por causa dos valores de produção, design de produção, guarda-roupa, direcção de fotografia, efeitos especiais e por causa do elenco. Ah sim, e do genérico, que era um regalo! Finalmente, este post pode conter spoilers das várias temporadas, incluindo a última, portanto, se não querem ser spoilados, não avancem.

Antecipei esta última temporada de Game of Thrones com um, "vamos lá despachar o assunto", pois para quem, como eu, não faz parte da fandom, houve, sobretudo nas últimas 3 temporadas, quando o hype se multiplicou, um factor externo que só contribuiu para aumentar o meu factor de irritabilidade em relação à serie: os próprios fãs. Os fãs de Game of Thrones são os piores fãs de todos!
Tenho acompanhado a série através do canal SyFy, onde os episódios têm estreado na segunda-feira seguinte à sua estreia nos Estados Unidos, um tempo bastante razoável, tendo em conta que muitas séries populares estreiam uma ou mais semanas depois da sua estreia absoluta, quando não são anos, nos canais nacionais. Acontece que em anos anteriores, durante a exibição do episódio nos EUA, até à sua exibição nacional, uma pessoa tinha de afastar-se das redes sociais, senão ficava-se a saber pontos chave da narrativa, como a 'morte' de Jon Snow, o Hodor e outras que aconteceram comigo. Mesmo bloqueando determinadas páginas, havia sempre algum "amigo" de rede social que não se conseguia conter. Desta vez fiz uma campanha #antispoilers, mas felizmente os episódios estrearam em simultâneo com os EUA e as 2h da manhã estão no meu horário de ver séries/filmes, antes de me deitar. Mesmo assim houve umas quantas belas adormecidas, leia-se em modo snooze, nas minhas redes sociais. O curioso é que essas mesmas belas adormecidas foram os fãs mais aguerridos da série, será que GoT é sinónimo de imaturidade e falta de respeito?

Agora é que vou falar da série. Achei as últimas temporadas algo apressadas, mas, mesmo achando que houve preguiça e facilitismo na narrativa, os episódios individuais foram sempre bem estruturados, terminando quase sempre num cliffhanger de maior ou menor grau, e reservando as cenas e efeitos mais espectaculares para o final das temporadas. Infelizmente, com tanta personagem, um dos grandes defeitos que aponto à série - personagens a mais -, o acompanhamento das minhas preferidas, Arya, Bran e Tyrion, nem sempre foi o mais democrático, havendo pelo menos uma temporada inteira sem Bran.
A última temporada, com tanta antecipação gerada, à qual era difícil fugir, mesmo com o desdém a que me reservei, foi uma sucessão de episódios anticlimáticos. O primeiro foi só exposição, uma seca; o segundo, o trailer da série alargado, uma seca; depois veio a Batalha de Winterfell, o "tal" episódio onde pouco ou nada se viu, batalha atrás de batalha, combate atrás de combate, muito minimal repetitivo e muito cansativo. Louvo-lhes a coragem de sequer planear tal episódio e isso fascinou-me! O final, Arya vinda "do nada" a conseguir matar o Night King, não me pareceu nada despropositado, afinal não foi ela que passou umas 3 temporadas a aprender exactamente isso?
Depois lá vem mais um episódio secante, com atitudes e tomadas de decisão dos protagonistas muito desenxabidos, cujo clímax foi o assassinato da aia de Danaerys.
O final, foi coerente com a restante temporada: anticlimático. Não me surpreendeu Danaerys ser uma Targaeryan cruel, desde a primeira temporada ela tem vindo a ter actos cruéis, do estilo afogar cãezinhos, só porque sim, mas há quem só veja carinhas larocas... Achei bem ser o Jon Snow a matá-la de forma tão comedida, adorei que Drogon, um dragão, fosse mais sensato que todos os seres humanos envolvidos e derretesse o pomo da discórdia, ou seja, o Trono, e a tenha levado para parte incerta. O único balde de água fria foi a morte de Cersei. Uma belíssima vilã, que tanto urdiu ao longo da série, não morrer pela mão directa de ninguém? Não ser vítima de vingança? Ah sim, e desde quando Greyworm tem voto na matéria?

No fim das contas Game of Thrones afinal não é uma série emocional, é para ser vista com a frieza de um estratega, assim a decepção é francamente menor. No geral achei uma das séries mais bem produzidas que vi nos últimos anos: cenários diversificados e muito bem escolhidos e depois trabalhados, um guarda-roupa muito bem concebido e muito inteligente e económico, efeitos visuais de primeira e uma banda sonora interessante q.b. O elenco foi lindamente escolhido, entre actores consagrados, Charles Dance, Sean Bean, Diana Rigg, e estreantes que cresceram à nossa frente e foram catapultados para a fama, ninguém falhou ou foi mediano. A narrativa é que podia ser menos dispersa e confiar menos no Deus ex machina.

UFA, FINALMENTE TERMINOU! Até começarem a despontar as sequelas e prequelas! Hahahahahaaha!

A Guerra dos Tronos (HBO Portugal)
Making Game of Thrones

02 abril 2019

Um Bom Corte

Vou fazer aqui uma comparação, talvez injusta, talvez não, entre um filme e uma série, inspirados na mesma pessoa: Christian Dior. O filme é Phantom Thread, de Paul Thomas Anderson, a série, The Collection, produzida pela BBC, entre outros, e passou na RTP2. Curiosamente são ambos do mesmo ano, 2017, e, se não me engano, o ano da grande exposição de Dior em Paris (este ano numa nova versão no V&A, em Londres).

A linha narrativa de ambos é bastante diferente, a do filme está, a meu ver, mal resolvida. Promete-nos um sociopata perfeccionista sinistro e não cumpre, tanto na sociopatia como no perfeccionismo. Mas já lá vou. A série tem uma intriga mais simples, sobre a dualidade ética e moral, uma família disfuncional, com uns crimes pelo meio. O seu final é um tanto em aberto, o que, se não houver uma segunda temporada, é um bocado insatisfatório. Uma coisa ambos têm em comum, a ascenção da pobre costureirinha (ou trabalhadora pobrezinha) a uma classe privilegiada. O filme é muito bem realizado em determinadas partes, a série tem uma realização competente, como costuma ser norma nas séries britânicas. Portanto: Phantom Thread é um filme desequilibrado e insatisfatório, The Collection é uma série competente, com uma narrativa interessante, que segue mais de perto a história de Dior, com intrigas ficcionais paralelas, se bem que não é particularmente original.

Outra coisa que quero despachar já é o elenco. Daniel Day Lewis (Phantom Thread) consegue ser mais meticuloso na composição da personagem que a própria personagem, mas não gostei da falta de empatia entre ele e a sua companheira de elenco, que aliás não me convenceu. Os restantes actores estão bastante marcantes, mas com personagens demasiado secundárias. A série tem um elenco mais homogéneo e circula à volta de várias personagens. Uma das razões que me fez ver a série foi Richard Coyle e Frances De La Tour, mas não há grandes diferenças no desmpenho de nenhum dos actores, sejam eles ingleses ou norte americanos (Mamie Gummer, filha de Meryl Streep, está no elenco), estamos a falar da máquina bem oleada da BBC.

Onde está afinal a comparação? No guarda-roupa.
Quando vi Phantom Thread fiquei chocada com todo o hype em redor do guarda-roupa, ganhou um Oscar? Deixa consultar o IMDB. Yap, ganhou um Oscar para Melhor Guarda-Roupa. COMO??? Nunca no filme nenhum vestido assenta bem à protagonista, nem na primeira cena da prova, fundamental para a narrativa, o vestido lhe fica a assentar bem. Para um tipo meticulosamente sinistro, o resultado do seu trabalho é trapalhão. Não é preciso perceber de costura para ver que quase todos os vestidos tinham costuras arrepanhadas (o que significa um mau corte), o primeiro vestido tinha os bicos do peito quase no pescoço da rapariga e parece que ninguém ouviu falar em ferro de engomar naquele atelier. Vi vestidos a assentar muitíssimo melhor em personagens secundárias. Por exemplo o vestido de noiva, demasiado parecido com o de Grace Kelly. Isso, aliado a designs pouco interessantes, fez com que passasse o filme todo a reparar nos defeitos, um bom guarda.roupa não pode fazer isso. Um bom guarda-roupa, para além de uma boa execução, deve sobretudo servir as personagens e a narrativa, não distrair o espectador. A partir do momento que os figurinos de Phantom Thread me chamaram a atenção, ainda por cima pelas razões erradas, falhou. Por isso não percebo o Oscar, não me lembro quais eram os outros nomeados, mas deviam ser uma porcaria. Dito isto, guarda-roupa à parte, foi o filme de PTA de que menos gostei, sempre gostei dos filmes dele por terem argumentos muito bem escritos, serem muito coesos e interessantes, o que me faz crer que o tema da alta-costura não é adequado para ele, pois o fetiche que dá nome ao filme não é cumprido e o conhecimento dele acerca desse universo é claramente limitado. Achei tudo muito morno. Mas a primeira cena com Daniel Day Lewis a vestir-se vale o resto do filme. Quando acaba, podem sair da sala
The Collection, não sendo uma série brilhante e com certeza com um orçamento bem mais baixo que Phantom Thread, tem um guarda-roupa maravilhosamente bem feito, desde a roupa interior aos enfeites nos chapéus, desde a chungaria nas espeluncas em Paris até à dama da alta-sociedade americana pirosa, não há um botão fora de sítio. De facto até uma decoração num vestido da dita colecção é a chave para uma das intrigas, mas aí é onde acho que a série falha, esse ícone aparece de modo forçado e a sua ligação a um crime pode ser lógica, mas num panorama geral não seria conclusiva. A série vive dessa dualidade, todas as personagens têm algo a esconder, que por vezes afecta todos os outros em seu redor. Os figurinos e a história da colecção, estão lá como pano de fundo para outras histórias, essas sim que fazem avançar a narrativa.

No filme, onde os figurinos têm um papel fundamental, falha na execução. Na série, onde os figurinos servem apenas de contexto, está tudo impecável. Chattoune e Fab, os figurinistas creditados no IMDB, e a sua equipa estão de parabéns, Mark Bridges, apesar do Oscar, não está.

Phantom Thread
The Collection

11 março 2019

Portais Estrelares - Parte I

No seguimento da reposição de Stargate Atlantis, o SY FY está a repor desde o início a série Stargate SG-1. Na altura em que vi a série pela primeira vez, no AXN aos fins de semana, por razões várias não vi a série a eito, apesar de a querer ver, portanto agora estou a aproveitar a nova oportunidade.

Pensava que tinha visto episódios aleatórios de todas as temporadas menos as últimas, mas afinal tinha visto o primeirissimo episódio, mais um ou outro da primeira temporada, não vi nenhum da segunda, vi mais um ou outro da terceira e agora que cheguei à quarta percebi que foi a partir daqui que consegui acompanhar com alguma regularidade, lembrando-me de quase todos os episódios.

Stargate SG-1 foi uma série muito bem estruturada, que conseguiu suplantar o filme que lhe deu origem. Fora o facto de todo o extraterrestre falar inglês, no início não era tão flagrante, mas até isso foi bem feito ao ser gradual, ainda me faz alguma comichão. Nas suas primeiras temporadas, a série conseguiu não cair na rotina: equipa visita um novo planeta; equipa depara-se com um conflito no planeta, em geral provocado pelo seu grande inimigo, os Goa'uld; equipa resolve o problema, não sem algum tipo de perda; equipa volta à SGC (Stargate Command) relativamente ilesa. Esta fórmula, embora sempre presente, é intercalada com episódios divergentes a vários níveis, seja com saltos temporais, a problemática da implementação de novas tecnologias, relações diplomáticas com outros planetas, o conflito das boas intenções da SG-1 e do General Hammond contra a burocracia e os interesses menos éticos militares, espionagem industrial e até conflitos pessoais das personagens principais. Portanto não temos apenas uma narrativa aborrecida de um David (a SG-1) contra um Golias (os Goa'uld), o que explica facilmente a durabilidade da série.

O que gosto mais? O pseudo-ateísmo da série, onde a grande maioria dos deuses das culturas pagãs da Terra teriam sido invasores extraterrestres com intenções menos boas. Pena que, sendo americanos, não conseguiram confrontar a sua cultura judaico-cristã-presbitana e essa acaba por ser a única religião menos posta em causa por esse ateísmo, daí o "pseudo". Mais tarde virão os Ori, mas quando lá chegar hei-de pronunciar-me em relação ao modo como lidaram com a coisa. Lembro-me razoavelmente bem dessas temporadas, mas prefiro manifestar-me depois de ver tudo como deve ser, sem soluços.

Tenho de falar dos protagonistas, que não seguem os clássicos cânones maniqueístas de elencos de grupo à risca:
Coronel O'Neill de Richard Dean Anderson, é um militar algo insolente, bastante distante do rígido e traumatizado O'Neill de Kurt Russel, contorna frequentemente as regras em prol da equipa e dos amigos.
Daniel Jackson peca por Michael Shanks não ser tão bom actor como James Spader, portanto não sustenta tão bem a personagem, e rapidamente passou de um arqueólogo trapalhão a um homem de acção que até fica com o papel de pegar em armas, em detrimento da Major Carter, ela sim, militar.
Major Carter, militar disciplinada e cientista (essencialmente astrofísica), que começa um bocado deslumbrada, mas é quem resolve a grande maioria dos problemas com a sua inteligência.
Teal'C, o extraterrestre obrigatório, rebelde no seu povo, muitas vezes irritante, a força bruta, mas que tem um sentido de humor interessante.
General Hammond, o mentor e paizinho da equipa SG-1, um general bonzinho.
Acrescento o homem que provavelmente entrou em quase todos os episódios da série, sem dúvida em todas as temporadas e até nalguns episódios de Atlantis, o técnico do Stargate, que basicamente não é mais que um telefonista espacial, mas que parece o cãozinho do Dune, está sempre presente X'D

Voltando atrás, a boa estruturação da série, uma grande maioria de episódios bem escritos, o aliar de uma estrutura militar com equipas que são sobretudo de exploradores e por vezes diplomatas, e um elenco principal bastante carismático, fazem desta serie uma das melhores séries de ficção-cientifica que já vi, contextualizando os alienígenas no nosso mundo terrestre de uma forma bastante original e criativa. Eu sei, havia já muitas teorias da conspiração semelhantes antes da criação do filme, mas o modo como a coisa foi resolvida, no filme e depois esticada na série, é sem dúvida uma qualidade na escrita de argumento. Talvez a sua longevidade tenha sido demasiada, mas uma pessoa envolve-se com aquelas personagens e não quer deixar de conviver com elas.

Stargate Command

04 março 2019

To Boldly Go...


Com os banhos de Star Wars nos últimos anos, mesmo com 3 novos filmes nos cinemas, Star Trek tem andado um bocado esquecido. Por isso, sem grande razão aparente, o ciclo dedicado aos filmes pelo AXN Black no mês de Fevereiro foi muito bem-vindo.

Sou daquelas pessoas que não pertence a nenhuma das facções: Star Wars x Star Trek. A minha primeira série de ficção-científica, e ainda a minha preferida, é o Space: 1999! Vi Star Trek mais ou menos na mesma altura em que estreou Star Wars e o Mr. Spock foi e será sempre uma das minhas paixonites televisivas. Portanto aproveitei para ver os filmes de Star Trek que não tinha visto, pois eram realmente poucos: os 3 primeiros (noutra vida) e os 2 primeiros do reboot.

Fiquei um pouco chocada (já não me lembrava) com a fraquíssima qualidade do primeiro filme. Claramente tinha um bom orçamento, mas falhou nas coisas mais evidentes. Os establishing shots de 5 minutos sempre que aparece a Enterprise são chaaaatos! Pior, por serem tão longos, percebem-se todas as falhas, sendo a mais flagrante a diferença de escala entre o shuttle e a Enterprise, que me fez perguntar onde estavam os bons técnicos de efeitos com miniaturas da época. Provavelmente todos recrutados para outros projectos. A história é tão boa que já me esqueci e a maioria dos actores principais parece que também se tinham esquecido de encarnar as personagens. William Shatner, sim, falo de ti, mas não só. Mas, por mais fraquinho que seja o primeiro filme, nada bate o erro que é a personagem do Khan nos segundos filmes. Aqueles peitorais do Ricardo Montalbán fazem-me sempre pensar se não terá passado demasiado tempo na Fantasy Island e, por muito que goste de Benedict Cumberbatch e se tenham esforçado em fazer um upgrade à personagem, o Khan também no reboot foi um erro.

Dos três filmes novos, gostei muito do primeiro (que vi no cinema) e do terceiro. Aliás gostei muito da história do terceiro. Mas obviamente no geral é o melhor pacote dos 3 pacotes de Star Trek, 1, a equipa original; 2, The Next Generation, com uma participaçãozinha de Kirk e outra de Janeway e o reboot. As histórias são todas bastante sólidas, os filmes bem produzidos, as interpretações ágeis.

Dos outros filmes com a equipa original e depois The Next Generation, achei sempre as histórias boazinhas, mas muito datadas, um pouco melhores nos TNG, não me lembrava do Picard tão severo dos 2 primeiros filmes. Ah, os Borg são Cybermen que se enganaram na série! Bem que podiam ser um bocadinho mais originais... Mas uma coisa achei um exagero: se não me engano, de todos os 13 filmes, só num a Enterprise não é completamente destruída... Uma, duas, talvez três vezes ainda se aceita, mas quase sempre? Parece "Oh my God, I killed Kenny!", mas em vez disso seria: "Oh my God, I destroyed the Enterprise!" E ninguém da Starfleet manda a factura a Kirk, o responsável pela destruição em quase todos os casos?

O que era giro agora, era um desses canais de cabo passar todas as séries de Star Trek de fio a pavio, a começar do início e por ordem cronológica. Mas esperem um pouquinho, agora estou a rever Stargate SG-1 e com esperança de darem SG Universe, que nunca vi.

Star Trek Movies (Wikipedia)

25 fevereiro 2019

91 Oscars - Rosa ou Preto? Ou a Mistura?

Isto de ver a cerimónia dos Oscars sem ter visto nenhum dos filmes nomeados (era para ter visto The Favourite a semana passada, mas não calhou), tem as suas vantagens: a maior de todas é ver o jogo político por trás com maior distanciamento. Por outro lado, do modo como a cerimónia anda, torna-se quase completamente previsível.

A transmissão este ano passou para as mãos da FOX, versão penosamente comentada por pessoas da RFM - nem aguentei 5 minutos do Red Carpet - felizmente sem comentários na FOX MOVIES, mas com um som aos altos e baixos e cheio de batatas a fritar... Talvez devessem ter pago horas extra aos técnicos de emissão da FOX. Lá para meio alguém deve ter ido ao feicebuque, pois as batatas fritas ficaram prontas.

A cerimónia. Ficou-lhes bem começar com os Queen + Adam Lambert, quem não gosta de uma boa rapsódia dos Queen? Ainda por cima pelos próprios!

A ausência de apresentador não se sentiu muito, salvo algumas excepções, nos últimos anos também não têm sido memoráveis. Até acho que foi tudo mais flúido e gostei da aposta nos números musicais. Só foi pena as primeiras aprsentadoras, Tina Fey e Cia. terem prometido uma cerimónia mais divertida do que acabou por ser. Mas gostei da moça cujo nome não sei escrever, a oriental de fato rosa/lilás.

Ver filmes como Black Panther ou Roma a ganhar estatuetas, claramente porque são filmes, chamemos-lhes, "étnicos", é triste. Não que os filmes não as possam merecer, mas o politicamente correcto é tão mau como a supremacia branca e não vejo os filmes a ser avaliados pelo que são, como filmes, cinema, mas pelo que representam. Não é isto que é suposto estar a ser premiado, mas sim o valor cinematográfico das obras. Portanto em tudo quanto foi categoria onde pudessem ganhar a estatueta, ganharam. Mas para não parecer mal, dividiram o mal pelas aldeias e também deram alguns Oscars a Green Room, outro filme politicamente correcto, e a BlackkKlansman, porque pronto, negros e racismo. Mas gostava de ver BlackkKlansman na mesma. Como disse a Barbra: um detective negro infiltrado no KKK tem piada.

Gostei muito de ver entrar a sôdona Bette Midler no palco e a cantar. Tenho um certo carinho por ela. A reacção de Rupert Everett a Barbra Streisand e o elogio dela a BlackkKlansman foi excelente. A propósito: FINALMENTE o Spike Lee ganha um Oscar!!! Pode muito bem ter sido na onda do politicamente correcto que iria sempre premiar as minorias óbvias, mas o Spike Lee bem merece um Oscar. Já fazia falta.

Por isto:
a cerimónia já valeu a pena! We're not worthy!

Como puderam esquecer-se do Stanley Donen no in memoriam??!! Imperdoável! É verdade que foi na véspera, mas não podiam pagar umas horas extra ao montador? É o Stanley Donen do Singin' In the Rain, um dos filmes mais importantes da história do cinema! Já para não falar na sua restante filmografia.


OK, vamos ao que verdadeiramente interessa: os vestidos! Fiquei bastante desgostosa com a mode crise quatre vingt quatre, isto é, vestidos cor de rosa, cheios de folhos, Barbie anos 80, às paletes! O que passou pelas cabeças dos stylists este ano??!! O que safou a Red Carpet foram espantosamente os homens. Para além de uma profusão de smokings de veludo de várias cores (um dos meus tecidos preferidos), eis que surge esta maravilha, acima, também em veludo!!! Pontos para Christian Siriano, um dos vencedores de Project Runway, vestindo Billy Porter. Algures no século passado imaginei um visual parecido, mas como não arranjei a casaca aba-de-grilo, acabei por fazer a coisa a meia-haste. De resto, as excepções ao vomitado cor de rosa foram a J-Lo, genialmente vestida de bola de  espelhos, e pouco mais.

Não gostei da decoração de palco deste ano, quero brilho! Aquela coisa, que mais fazia lembrar o Mathmos, em So.Go, no Barbarella, era simplesmente feia.

Portanto, no meio de tanto cor-de-rosa, os Oscars tentaram ser negros e ficaram-se pelo meio: pelo castanho.

Oscar.com

24 fevereiro 2019

Cristina, não vais levar a mal...

... o amor por ti NÃO É FUNDAMENTAL!

Os Roquivários que me perdoem a apropriação, mas é só o que me vem à cabeça quando penso na Cristina TV, perdão, na SIC.

JÁ NÃO BASTA A PORCARIA DA CRISTINA AOS DIAS DE SEMANA, AINDA TEMOS DE A ATURAR AO DOMINGO? Bom, o "temos" é relativo, safa-me a rádio e as toneladas de coisas que tenho gravadas na box para ver. MAS, como se já não fosse triste a SIC não transmitir os Oscars este ano, por ter evidentemente gasto todo o orçamento na dita-cuja e nas novas instalações, os filmes de fim de semana à tarde repetidos ad eternum são prova disso, em dia de Oscars, nem um filmezinho oscarizado para amostra? No fim de semana passado passaram a xaropada do Titanic, não têm outras xaropadas oscarizadas no pacote de filmes?

Enfim, vou ver o último filme de Star Trek e costurar, que é o que faço enquanto alimento o vício. E hoje à noite há Oscars!!

SIC

22 fevereiro 2019

O Chef Punk

Este post era para ter sido escrito há anos, ainda no tempo em que o No Reservations dava na SIC-Radical (e que eu ainda via regularmente a SIC-Radical). Quando Anthony Bourdain tirou a própria vida, pensei em escrevê-lo, com muita pena da circunstância que me levaria a escrevê-lo. Como não queria que o post se transformasse num elogio fúnebre e por ter ficado bastante chocada com o suicídio, resolvi deixar este post para uma altura em que pudesse fazer justiça ao brilhantismo de Bourdain. Terminei agora de ver a derradeira série de Parts Unknown, chegou o momento.

Sou fã incondicional de Anthony Bourdain, apesar de por vezes a sua insolência e exagero em No Reservations me cansar, o resto compensava: os locais exóticos que de outra forma talvez nunca tivesse ouvido falar, de uma perspectiva sobre esses locais mais íntima, de não temer o diferente, o novo, de ser politicamente incorrecto e de chamar os bois pelos nomes. Bourdain deu voz aos inconformados, à rebeldia e a um modo de ver a vida sem filtros.

Apesar das diferenças, Parts Unknown desviou parte da atenção à comida para focar -se mais na cultura e na política dos locais visitados. Confesso que as duas séries se fundem um bocado na minha cabeça, dentro dos vários episódios que ficaram distintos na minha memória, há obviamente os portugueses (Lisboa, Açores e Porto), que pareceram-me incompletos, provavelmente pareceram sempre incompletos aos nativos do respectivo país - atribuo parte disso aos anfitriões escolhidos, que nem sempre estiveram à altura.
Entre os outros países há vários: no geral os norte-americanos aborreceram-me, pareciam-me sempre um monte de hillbillies a enfardar barbecue, mas há excepções. Os da Louisiana, foram sempre interessantes, sempre tive curiosidade pela cultura e pela comida cajun, deve ser deliciosa! Nova Iorque é interessante, mas demasiado hipster, apesar da sua notória aversão aos hipsters, "com os seus gorros de Estrumpfe" (sic) e o resto são hillbillies a enfardar barbecue, com uma ou outra curiosidade pelo meio.
Os da América Latina são sempre engraçados, especialmente marcantes foram os da "família", quando Bourdain vai em busca de antepassados e encontra o irmão, senão me engano no Uruguai, e o do Rio de Janeiro, com a então mulher e os praticantes de Jiu Jitsu.
Não tenho grande memória dos episódios africanos, expto o de Tânger, levado pela boémia europeia de outrora, e o de Moçambique, que revelou um país quase abandonado, mas culturalmente riquíssimo.
Na Ásia, provavelmente o continente preferido de Bourdain, os programas são sempre mágicos. Os do Vietname memoráveis, os do Japão um regalo, todos eles uma descoberta. Como ele diz no último episódio de Hong Kong, "apaixonei-me na Ásia e pela Ásia", isto leva-nos a Itália e aos melhores episódios de todos.
Entre os episódios europeus, os franceses e os espanhóis, em particular o do encerramento do El Bulli, foram excelentes, mas, como os de Nova Iorque, são aquele tipo de episódio "daquilo que não podemos ter", interessantes, educativos, mas distantes. Em lado nenhum Bourdain vibra como em Itália. De Norte a Sul, à mesa da nonna de serviço. Nunca esquecerei o momento em que ele mergulha nas pedras da costa amalfitana, apanha uns quantos ouriços do mar (iguaria predileta) e come-os ali mesmo, em frente ao restaurante do seu anfitrião. Depois há o episódio da Sicília, com Asia Argento. Só pouco depois de ver o episódio eu soube que se tornara namorada dele. Ambos visitam locais incríveis e vivem uma Itália riquíssima.
Deixei o campeão para o fim: Parts Unknown, temporada 1, episódio 1. Québec. Bourdain junta-se a dois chefs mais loucos que ele. Têm uma casinha de madeira sobre rodas para pescar no gelo, mas em vez de pescarem, apesar de às vezes o fazerem, levam um farnel dos pratos mais sofisticados que possamos imaginar, foie gras, caviar, champanhe, lagosta, etc., e servem-nos na diminuta casinha, com todos os requintes de malvadez: candelabros, toalha bordada, baixela de prata, serviço de porcelana, copos de cristal. Um deles diz que come assim em casa, sempre, e "obriga" os filhos pequenos a consumir as refeições assim. Genial!

Chego assim à derradeia temporada. Não consegui vê-la sem uma sensação testamentária, até porque, fora Itália, França e Espanha, Bourdain faz uma espécie de síntese do que foram todos os seus programas e séries. Os meus preferidos? Berlim, Louisiana e Butão. Berlim conheço, gosto e foi um episódio que só podia ser feito por ele. A comida no Louisiana deve ser muito boa e é um local fascinante. O Butão deve ser dos países mais únicos no mundo e a visita de Bourdain, acompanhado por Darren Arronovsky, uma aventura no mínimo insólita. O Bourdain público termina com uma oração. Foi bonito.

Anthony Bourdain faz falta, como todos os irreverentes sem papas na língua da história, faz muita falta. Resta-nos ficar com os programas, os livros e as memórias.

ADENDA:
Afinal a totó que eu sou por não fazer o TPC, acabou por achar que tinha visto a última temporada de Parts Unknown, só porque deu depois da morte de Bourdain. Ainda havia a derradeira temporada. Mantenho o que disse acima, afinal foi com esse sentimento que vi essa temporada, esta última foi demasiado curta, demasiado curta... Mas a CNN trabalhou bem, exibiu os episódios como deveria ser até onde pode, sendo um deles já narrado por outra pessoa, e os dois últimos foram uma montagem de testemunhos da equipa que trabalhou com ele, o último com jornalistas que estavam de algum modo ligados a Bourdain e ao programa. Dois deles eram o casal do programa do Irão, que aliás foi memorável.

Termino com as últimas palavras de Anthony Bourdain em Parts Unknown:
"Anthony Bourdain, CNN, eat more SPAM."

Anthony Bourdain (Wikipedia)
No Reservations
Parts Unknown

05 janeiro 2019

Anjos

 
Comecei o meu ano televisivo com o filme Himmel Über Berlin (Asas do Desejo), obrigada RTP2!

Vi o filme pela primeira vez, com 17-18 anos, provavelmente no Quarteto, ou talvez no Londres ou Fórum Picoas, pois eram os únicos cinemas da época em Lisboa que passavam filmes de autor. Desde então revi o filme diversas vezes, muitas na televisão, algumas no cinema, mas há muito que não o revia. Estava curiosa para ver se a minha experiência de ver o filme tinha mudado: não mudou.

A sensação maravilhosa, de um misto de melancolia mas que deixa um calorzinho por dentro, continua a mesma! Naturalmente apercebi-me de mais alguns detalhes que não tinha percebido antes, é esse um dos prazeres de rever filmes sublimes. O prazer de perceber alemão, francês e japonês, retiram as limitações de depender da legendagem e da eventual má tradução, de apanhar o texto no momento certo, sem ter de tirar os olhos da imagem. Mas a cena que revi com outros olhos é a cena do reencontro, no concerto do Nick Cave, onde tudo se encaixa maravilhosamente. O vestido vermelho de Marion, a camisa vermelha de Nick Cave, que habitualmente é branca ou em cores neutras, a canção The Carny, a coreografia da câmara no espaço do concerto (aliás lindo, como todos os décors do filme), o vermelho também no casaco colorido de Damiel e, por fim, o reencontro de almas ao som de From Here to Eternity. Perfeito!

Tinha medo de achar que tinha visto o filme com o deslumbre da adolescência e que essa memória me tinha ficado marcada. Mas não, Himmer Über Berlin é um filme sublime, lindo, meticulosamente bem feito, emocionante e não envelheceu. Aquela Berlim dos anos 80, que eu conheci, está lá, congelada, provavelmente numa das melhores representações que teve no cinema.

Himmel Über Berlin
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