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13 agosto 2023

De Regresso a Alpha

Y1 - Guardian of Piri

Há uns meses a SIC Radical (há que tempos que não via a SIC Radical!) repôs o Espaço: 1999 e apesar de ter a série em DVD, de já a ter visto dúzias de vezes, resolvi revê-la pois estou sem leitor de DVD.

Mas a SIC Radical não tem respeito nenhum pela série. Para começar, resolveram adquirir a versão, acho que dos BluRay, com o formato 16:9. Acontece que Space: 1999 foi filmada no formato 3:4 e tirar-lhe duas fatias de imagem, em cima e em baixo, faz com que, por exemplo, parte do título "Space: 1999" fique cortada. Numa série com uma direcção de câmara exemplar (já lá vou), isto é um crime.

Outro "pecado" da SIC Radical, apenas o primeiro episódio foi transmitido na ordem certa, o resto é aleatório e, pior, repetem episódios! É verdade que em Space: 1999 não há grande continuidade, mas o episódio Earthbound (com Christopher Lee) onde o comissário Simmons mói o juízo a toda a Base Lunar Alpha para ser ele o escolhido a regressar à Terra com os Kaldorians, não pode ser transmitido muito depois de Breakaway, por uma questão de lógica. Já revi uns 11 episódios, incluindo o episódio Matter of Life and Death duas vezes, e nada de Earthbound...

Por último há o meu pet peeve de na tradução estarem "as" Águias, em vez de "os" Águias. É um pormenor e a tradução actual está mais correcta em termos da língua portuguesa, mas para quem cresceu a ver a série com a designação "os Águias", faz imensa confusão. 

O lado absolutamente positivo é rever a minha série preferida e mesmo assim reparar em coisas novas, como os magníficos movimentos de câmara. Muito já falei e se fala da qualidade e inovação dos efeitos especiais práticos de Space: 1999, muito já se falou dos cenários espantosos e excelente fotografia, ou mesmo dos argumentos (da primeira temporada) a raiar o terror e com uma carga às vezes muito pesada. Mas é raro falar-se do trabalho e posicionamento de câmara e agora foi a primeira vez que reparei nestes movimentos de câmara subtis mas invulgares, com panorâmicas aliadas a aproximações de câmara, movimentos a acompanhar os actores, que dão um dinamismo visual à série incrível. Seria de esperar, com a austeridade dos cenários e guarda roupa, que a câmara fosse rígida fora das cenas de acção, mas em vez disso temos uma câmara fluída, principalmente quando acompanha os actores em momentos dramáticos. Será a herança de uma direcção de câmara mais vanguardista dos anos 60, mas que realmente enriquece e suaviza a restante austeridade visual. Gostava que houvesse esse tipo de direcção de câmara actualmente, ou que houvesse maior variedade e arrojo na direcção de câmara. Actualmente é tudo muito igual e de modo a não se dar por isso. É uma estética, clássica, mas numa série de ficção científica, por exemplo, há alguma margem para a mise-en-scéne não se ficar pelo básico. Acho que, das séries modernas com algum arrojo visual que vi neste século, só mesmo Legion foi mais além.

Catacombs of the Moon

03 julho 2023

15 Minutos de Fama

Isaac com Andy Warhol e parte da sua entourage

Got picked up at 8:15 to go to The Love Boat. Flubbed my lines on the morning, felt bad about it. Worked all day.

entrada de Segunda-feira, 1 de Abril de 1985, Los Angeles. The Andy Warhol Diaries (1989)

Uma das razões porque quis ver a série completa The Love Boat foi porque, nos anos 90, ao ler The Andy Warhol Diaries, li os comentários dele acerca de ter sido convidado a participar num episódio da série. Calhou ser a 9ª e última temporada, quase parece de propósito para obrigar-me a ver, pelo menos, cada genérico com atenção, para ver quem são os convidados do dia.

O tempo de antena de Andy Warhol no episódio é capaz de nem fazer os 15 minutos da sua frase célebre, que no futuro todos iriam ter pelo menos 15 minutos de fama. No episódio, Warhol pavoneia-se pelo navio, mal dizendo duas palavras de cada vez, tirando polaroids aos passageiros, para escolher uma feliz pessoa contemplada com um retrato seu. À semelhança da sua persona real, Warhol nunca está sozinho, sempre rodeado da sua entourage, consistida pelo seu assistente pessoal e mais umas três ou quatro personagens a emular os seus amigos famosos, como Bianca Jagger ou Halston. Para lhe dar dimensão, acrescentaram uma ligação a uma das passageiras, agora de meia-idade, num casamento conservador, que teria entrado num dos seus art films e não quer que o marido saiba. *spoiler* Apesar de ela achar, para seu alívio, que Warhol não se lembra dela, no fim do episódio ele reconhece-a e é a escolhida para o retrato. *fim de spoiler* Foi divertido, mas no contexto da série estas participações especiais parecem sempre forçadas. Conhecendo os comentários de Warhol acerca da sua participação e a persona que assumia em público, principalmente fora do seu habitat The Factory, a participação parecer forçada fica mais adequada à personagem que o costume.

The Love Boat teve 9 temporadas, o que para a época, é um caso de longevidade. Mas, na temporada 7, com a saída de Julie, o envelhecimento e cansaço geral do elenco e integração de duas personagens novas, Judy, irmã de Julie, também directora do cruzeiro, e Ace, o fotógrafo do navio, foi notória alguma estagnação. Salvou-a os cruzeiros a partes exóticas, sempre pitorescos, que se multiplicaram nas últimas temporadas, e as participações especiais de Betty White e Carol Channing, sempre hilariantes, com os fabulosos figurinos de Carol Channing, por Nolan Miller.

Na nona temporada também resolveram mudar o genérico, com uma nova versão da canção, novos gráficos e novo logótipo. De todas estas alterações a única de que gostei mais do que da versão anterior foi o logótipo. As restantes seguiram as tendências da época, como os chumaços nos ombros, mangas de balão gigantes e fatos de banho cavados nos figurinos femininos. A introdução das Mermaids, um grupo de dançarinas oficiais do navio, trouxe-nos uma Terri Hatcher muito miúda, na sua primeira participação numa série televisiva, mas em ascendência meteórica. Logo a seguir iria participar em MacGyver e o resto é história. 

Nota ao tradutor: esta temporada passa-se em 1985-86, se uma personagem está, num telefone fixo, a negociar a venda de aparelhos de telefone à China, não serão com toda a certeza telemóveis. Se não sabem, PESQUISEM, POR FAVOR!

ADENDA:

No antepenúltimo episódio de The Love Boat, a equipa, noutro navio que não o Pacific Princess, atraca em Lisboa. Apesar de anunciarem Lisboa como uma cidade histórica, um dos dois ou três destaques é o "lago dos cisnes no Campo Grande". Onde foram buscar isto? Nos anos 80, sobretudo em 1986, ano do episódio, o Campo Grande era um local perigoso e não havia cisnes no lago, só patos e gansos. Também só mostram pouco mais de Lisboa que a Torre de Belém ou o Rossio. Não, não mostram o lago do Campo Grande. 

A narrativa que faz a ligação a Lisboa é igualmente despropositada: César Romero e Lorenzo Lamas,  em toda a sua glória latino-americana, fazem de avô e neto, de uma família tradicional de toureiros, os Belmonte. Vá lá que o nome é plausível. E, com isso, basicamente o restante que vemos de Lisboa é a Praça de Touros. O bom é que vê-se a Praça sem a cúpula, que estragou o recinto, sobretudo na acústica. Já a história está pejada de clichés e o apresentador da tourada fala em português do Brasil! Mais valia terem ficado longe da costa portuguesa! 

The Love Boat (Wikipedia)

23 maio 2023

To Sci-fi or Not to Sci-fi

Infelizmente aos soluços, pois não apanhei a série nos dias em que estreou, consegui ver a grande maioria dos episódios de Mission: Impossible. Mas espero ver os que faltam um dia, noutra reposição da RTP Memória

No início, pois na reposição da série nos anos 80 só vi dois ou três episódios, o meu interesse estava sobretudo em Martin Landau e Barbara Bain, o casal maravilha, cujo sucesso em M:I lhes proporcionou os papéis de Commander Koenig e Dr. Helena Russel, em Space: 1999, a série em que os conheci. Mas M:I tem uma característica singular, de os vilões ou convidados do episódio terem mais densidade psicológica que o elenco principal. Isso tornou, para mim, o desempenho de ambos demasiado distanciado e frio, deixando aquém das minhas expectativas. 

Essa ausência de caracterização psicológica dos protagonistas de M:I faz desta série um caso estranho de sucesso. Actualmente, se o espectador não cria empatia com os protagonistas de uma série ou filme, é meio caminho andado para o cancelamento (não é de um cancelamento woke que estou a falar) dessa série. As séries modernas vivem das personagens, por isso temos quase sempre protagonistas de alguma forma peculiares, carismáticos, que mostram tanto as qualidades, como os defeitos. Como não vi episódios suficientes a primeira vez que vi a M:I, tenho dificuldade em compreender a dimensão do sucesso da série, para alémde alguns elementos. 

Mas há elementos que justificam esse sucesso, vou falar deles um a um.

Os gadgets

Os gadgets eram a segunda coisa de que melhor me lembrava de M:I, tenho uma memória clara de máscaras de borracha, disfarces criativos, instrumentos mirabolantes e premonições da vigilância moderna, que provavelmente já existia nalguma forma, mas que não era do domínio público. Os gadgets são definitivamente um dos principais pontos de interesse de Mission: Impossible.

Os planos.

Os planos intrincados para cumprirem a missão e passarem despercebidos são outro dos grandes pontos de interesse de M:I e a característica mais original da série. Infelizmente, a dada altura, as intrigas começam a entrar numa fórmula fixa, retrato da Guerra Fria que se vivia, onde os vilões ou eram de algum país comunista de leste, sem mencionar o "palavrão" "comunista", ou uma ditadura militar na América latina ou Ásia menor. Raramente vemos episódios passados em África e os dos Estados Unidos, apesar de tudo ainda a maioria, tratam sobretudo de máfias criminosas locais ou dramas com heranças familiares.

Os episódios dos países do Leste europeu eram os mais divertidos, pois a sinalética era toda criada de modo que um espectador anglófono médio as compreendesse. Usavam palavras como: "nüklear", "companica de aqua" ou "companica de gaz" e muitos mais. Infelizmente não anotei mais que estes, mas alguém se terá divertido bastante a criar estas nomenklaturas. Os tipos de letra também mudavam, sendo os mais evidentes em países de influência germânica, onde as letras eram frequentemente góticas.

A sequência inicial.

Calculo que, tal como eu, semana a semana, os espectadores dos anos 60 e 70, não perdiam as sequências iniciais, onde Mr. Phelps ouve (ou vê) as instruções das missões, para as ver desfazerem-se em fumo. A grande maioria eram mini gravadores de bobines, guardados em áreas de acesso limitado, como guaritas de obras, caixas de electricidade, porta-luvas de carros, etc. Mas outras eram um bocadinho menos plausíveis, como uma vez que Mr. Phelps vê as instruções nuns binóculos de moedinha de um miradouro. Nas temporadas mais tardias nem sempre os episódios começavam assim, talvez numa tentativa de variar a fórmula, mas confesso que senti a sua falta. Gosto delas.

Curiosamente, para além de Peter Graves, Mr. Phelps, o cabeça da equipa, o actor que entra em mais, senão em todos os episódios, é Greg Morris, como Barney Collier, o mestre dos gadgets e disfarces. Acho curioso pois, nos anos 60 e 70, uma época ainda de grande segregação nos EUA, o segundo principal actor da série é negro e ainda por cima tem uma das personagens mais interessantes. De Mr. Phelps sabemos pouco, apenas que é inteligente e um bom estratega, já Barney é também inteligente e com excelentes conhecimentos de engenharia, tecnologia, mecânica, etc. Todos os outros cumprem papéis mais genéricos, ou são os músculos, como Peter Lupus (Willy Armitage), ou servem para seduzir os alvos das missões. Em aparições bem menores, temos um médico, Sam Elliot (Doug Robert), que tem uma função claramente útil, mas que nem sempre é aproveitada.

Das mulheres, a minha preferida foi Leslie (Ann) Warren (Dana Lambert), apesar de precisar de alguém a ensinar a correr de um modo mais atlético. Mas nada bate os vestidinhos de Barbara Bain, em geral sempre dentro de uma elegância formal anos 60, mas por vezes mais arriscados. Embirrei à brava com Linda Day George, demasiado coisinha, e Lee Merriweather teve um desempenho competente.

Dos homens, desculpa Martin Landau, ninguém passa à frente de Leonard Nimoy! Depois de Space: 1999 me viciar em ficção-científica para todo o sempre, veio Star Trek à televisão portuguesa para me trazer a minha segunda paixoneta cinematográfica/televisiva: Mr. Spock. Mesmo tendo outras paixonetas posteriores, Leonard Nimoy, na pele de Spock, marcou-me para sempre e, ainda hoje, acho-o todo bom! E foi um actor e pêras! Depois, aquelas patilhas e aquelas golas altas em M:I matam-me! =)~ A-ham, agora a sério, dentro das personagens genéricas mas importantes de M:I, Paris é das mais carismáticas e versáteis. Landau, na pele de Rollin Hand, oscilava entre os disfarces de general ou déspota maquiavélico, enquanto que Paris tinha maior vocação para se integrar numa diversidade de cenários, de condutor de carroça a multimilionário corrupto. Mas, como já disse acima, também gostei muito da personagem de Barney.

Porquê este título? Apesar de Mission: Impossible ser anterior a Star Trek e Space: 1999, as três estrearam por ordem cronologicamente inversa, pelo menos desde que tenho idade para ver TV. Portanto, a minha exposição aos actores que transitam nestas séries, foi menor em Mission: Impossible, e teve início em duas séries de ficção científica de cultoApesar das intrigas de espionagem, Mission: Impossible também inclui uma forte componente de ficção científica, nem que seja nos gadgets futuristas e impossíveis, sobretudo das primeiras temporadas. 

Enquanto via M:I, só me lembrava de uma série moderna que passou um pouco despercebida, mas que está no meu coração: Leverage. Agora apetece-me rever Leverage, e nem vislumbre da série nos canais portugueses... Leverage, série de que falei aqui, é claramente baseada na premissa de Mission: Impossible, mas com outro contexto. Em vez de a organização ter ligações governamentais e políticas, o grupo de Leverage é um grupo de marginais, que concretiza missões por encomenda, na maioria das vezes pouco legais ou legítimas. Alguns dos elementos da equipa inclusive têm cadastro ou são procurados pela polícia. A equipa também é mais coesa, variando muito pouco, com elos fortes entre elementos e cada personagem tem uma caracterização muito mais complexa e empática. Por fim, também é pontuada por um grande sentido de humor, fazendo com que a série seja facilmente devorada de uma assentada, deixando ficar o desejo por mais. É como se Leverage fosse uma versão de Mission: Impossible, com um belíssimo upgrade.

Mission: Impossible (imdb)

Leverage (imdb)

06 fevereiro 2023

Ontem à Noite fui ao Soho

Eu sei, é um título fácil, mas não resisti.

Quando Last Night in Soho estreou, em 2021, ainda andávamos em confinamentos e restrições pandémicos, pelo que acabei por não lhe prestar muita atenção. Mas duas ou três coisas chamaram-me a atenção para este filme, Londres, concretamente o Soho, nos anos 60, umas primeiras imagens muito psicadélicas, uma Anya Taylor-Joy muito bem caracterizada, ter sido o último filme de Diana Rigg, a eterna Mrs.  Peel e Tracy Bond, que morreu antes de o filme estrear.


Há cerca de um mês esbarrei novamente com um vídeo do filme e desta vez vi-o. Foi assim que fiquei com imensa vontade de ver o filme! O vídeo, um vídeo musical, mostra uma Anya Taylor-Joy muito lânguida, com um ar vagamente sixties, a cantar uma versão lenta e melancólica de Downtown, originalmente cantada por Petula Clark, nos anos 60. Desde miúda que gosto imenso desta canção e fiquei fascinada com esta versão, que me fez prestar uma atenção à letra que nunca lhe dera. É daquelas musiquinhas alegres, sem grande consequência, mas que nesta nova remix, ganha uma profundidade que nunca lhe tinha visto (*vim a saber depois que há ligeiras mudanças na letra, que a tornam mais melancólica). E a Anya Taylor-Joy canta que se farta! Fui buscar o filme na candonga, mas, para variar, pois não gosto de ver filmes no ecrã pequeno do PC, sentada numa cadeira de escritório, não o vi.

No fim de Janeiro apanhei uma publicidade da NOS, onde divulgava a estreia do filme no seu canal dedicado em Fevereiro. Portanto, ontem à noite fui ao Soho.

O filme é bem mais complexo do que eu inicialmente pensava e não é uma mera recriação histórica da Swinging London. De notar que, embora subtilmente, o filme nunca esconde o que é. O Soho nos anos 60 era tudo menos um bairro recomendável, menos ainda para uma menina de boas famílias e à noite. Essas andavam por Carnaby Street, Kings Road ou Kensington. Os cartazes e as fotos publicitárias apresentam cores primárias, contrastantes, néons, imagens fragmentadas, tudo sobre um fundo escuro.

Não fazendo spoilers, pois este é um desses filmes, a narrativa é entrelaçada entre o presente e o passado, com reviravoltas muito interessantes e não é uma história previsível. Edgar Wright leva-nos pela mão, faz-nos gostar de quem não devíamos, e faz-nos imergir naquele universo onírico cheio de espelhos, qual Alice no País das Maravilhas. E sim, este filme não é um musical romântico, é um thriller com um toque de terror.

Também me agradou por outro aspecto, muitas das cenas tecnicamente complexas são criadas com efeitos práticos, cenários versáteis, e filmadas nas verdadeiras ruas do Soho. Segundo li, foi uma tarefa hercúlea. Ah, e Terence Stamp, aos 80 anos, a fazer as próprias cenas de duplo! Não foi lançar-se de um prédio, nem nada assim, mas cena de duplona mesma.

E, por fim, para além de outras canções deliciosas dos anos 60, montes de citações e referências a filmes e personalidades dos anos 60 e 70, que normalmente eu devoro, temos de brinde, a maravilhosa Diana Rigg e o fantástico Terence Stamp, imensamente populares nos anos 60, e sempre bem-vindos nos meus ecrãs! 

É sempre bom quando posso ver os filmes estranhos que me chamam a atenção de forma legal, sem ter de recorrer aos canais de  streaming, que eu não tenho.

Last Night in Soho (IMDB)

18 janeiro 2023

O Paquete Ideal

The Love Boat, O Barco do Amor, tem uma fórmula e uma estética. Cada episódio tem 3 histórias que se entrecruzam, uma envolvendo um elemento da tripulação, em geral comédia, um drama e uma comédia. Para além do elenco fixo, a tripulação do Pacific Princess, o elenco convidado consiste num misto de actores em início de carreira, como um Tom Hanks juvenil, ou uma Jamie Lee Curtiz adolescente, ou velhas estrelas de cinema de Hollywood, como Olivia DeHavilland, Vincent Price, Sylvia Sydney ou Joseph Cotten, em raras aparições televisivas. Pelo meio, o elenco aproximadamente entre os 30 e os 50 anos, são vedetas da TV da época, como Meredith Baxter Birney (a mãe de Quem Sai Aos Seus), ou John Ritter. Há sempre convidados musicais, portanto um número musical, e por vezes os convidados vêm em pacote, como os The Village People ou as Pointers Sisters, o que dilui ainda mais as possibilidades dramáticas do seu segmento narrativo.

Mesmo quando as histórias são sérias, o facto de serem entrecortadas pelas outras duas narrativas, torna-as bastante superficiais e previsíveis. Não que as outras não sejam previsíveis, quase todas as histórias em The Love Boat são tão previsíveis como o facto de o paquete partir de Los Angeles, parar em Mazatlan e Acapulco, e regressar a Los Angeles.

Nada disto foi surpresa, pois vi, durante os anos 80, muitos episódios de The Love Boat, mas desde que começou a dar na RTP Memória, que quis ver todos, ou quase todos, com o olhar de hoje. Sabia que iria ser bastante superficial, um tratado televisivo em como misturar décors naturais com décors em estúdio a passar por naturais, de que a piscina em trevo é o exemplo mais flagrante, e a glamourização de um estilo de vida irrealista. Mas é facil entrarmos naquele universo, acreditarmos na suspensão da descrença e deixarmo-nos ir numa viagem marítima com toques tropicais por cerca de 50 minutos. É um escapismo como outro qualquer e podemos entreter-nos com o charme, agora retro, de uma América dos anos 70 e 80 idealizados, onde acaba sempre tudo bem.

Vale pelos cenários, pelos vestidinhos muito Halston de Julie, principalmente nas primeiras temporadas, pois quando a série entra nos anos 80, passam a ser um bocado salve-se quem puder, e a moda juvenil anos 70/80 de Vicky. Há lá peças que adorava ter nos anos 80 e que ainda hoje vestiria.

Dos elementos da tripulação o meu preferido, mesmo sendo o cliché dos clichés, é o barman Isaac Washington. Os problemas dele costumam ser simples, está sempre bem-disposto e resolve quase tudo com uma bebida colorida. A seguir, apesar de exageradamente pateta, acho piada ao Gopher na sua ingenuidade. O Dr. Bricker é terrivelmente misógino e assedia o mulherio todo, uma personagem impossível nos dias de hoje. Julie é simpática e tem um sentido de humor agradável, mas quando as histórias se focam nela, em geral são exageradamente dramáticas, o que não encaixa na personalidade dela no dia-a-dia. O Capitão Stubbing é o clássico autoritário bonzinho e Vicky oscila entre a criancinha irritante e a criancinha boazinha, mas ainda irritante, por ser tão boazinha. Por fim há um ou outro convidado regular, sendo a mais recorrente a mexicana April, que é puramente um fait divers, apoiado no exagero da actriz, que provavelmente está a interpretar-se a si mesma, para quando os argumentistas têm um buraco narrativo a preencher.

Os ocasionais episódios duplos, além de terem mais de 3 histórias, costumam variar a paisagem e levam-nos a temperaturas mais frias, como ao Alasca ou ao Oceano Atlântico, mostrando com orgulho, qual postal ilustrado, o Canal do Panamá. Nesses episódios as histórias são um pouco mais profundas e incluem sempre alguma vedeta musical.

Salva-se o tema maravilhoso de Charles Fox, um dos compositores da banda sonora de um dos meus filmes preferidos, Barbarella.

The Love Boat não ambiciona ser muito mais que entretenimento leve e fica-nos, no séc.XXI, o prazer nostálgico de rever vedetas de hoje a dar os seus primeiros passos, ou vedetas do antigamente já desaparecidas.

The Love Boat (Wikipedia)
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